domingo, 21 de abril de 2013

A Vida em Telas (Crítica: Frida / 2002)

"Diego, houve dois grandes acidentes na minha vida: o bonde e você. Você sem dúvida foi o pior deles."



Se entrasse numa tela, a vida de Frida Kahlo não seria tão superlativa como se pode imaginar. Não é questão de ser nem de ter, é só uma constatação humana. A pintora mexicana viveu uma vida bem simples no que se pode traduzir nos dias de hoje, viveu como quis, mas apenas vivendo. Há quem pensa que o vendaval que foi Kahlo depende muito de uma vida insana, regada à droga e bebida ou, até mesmo, assombrada por amantes autoritários, mulheres com tendências apaixonantes e quadros de peso crucial para uma personalidade desconcertante. Frida foi uma mulher em cem mil. A prova de sua humanidade está na sua arte, na sua liberdade.

Frida (EUA, 2003), filme da diretora Julie Taymor, brilha exatamente no seu propósito libertário, contar aos “trancos e barrancos” a vida solar de uma mulher que enfrentou questões póstumas, momentos violentos e como transferiu a tragédia e a simplicidade para seu trabalho. Quem planta pecado não colherá Deus e Frida somente sonhou em com o viver. No papel da pintora está a também mexicana Salma Hayek, que também entrou como produtora da obra. Salma é indiscutível na sua representação de Kahlo, a atriz tem em seu cerne a admiração pela artista, é algo que acontece em poucos encontros, talvez o mais visível a curto passado seja a performance assombrosa de Marion Cotillard como Edith Piaf. O fato de existir um sentimento nacional entre uma artista viva e outra morta é palpável e quase olfativo nesses filmes biográficos. São performances catastróficas dentro do próprio caos. Talvez entenda assim o que é sentir a liberdade através da tela.



Lá pelas tantas de sua vida, Frida Kahlo protestou vivência, conquistou seus contrários e foi montando um sensacional roteiro de vida, isso torna o filme tão interessante, tornando desnecessária uma postura avaliativa. Seu princípio é conquistar sem ao menos te forçar a nada. Frida faz isso sozinha.

Com a dor crescendo a olhos nus, a perseguição da essência de Kahlo é, de fato, um senso e uma direção tomada por todos os profissionais do filme. Alguns pensam e veem uma mistificação em torno da figura da pintora, mas não, é só uma obra pronta pra declarar a relação social e humana da arte e do sofrimento, da liberdade e da lágrima. Aqui, Kahlo está onde deveria estar, sem estrelismos, apenas conquistando, causando reconhecimento.

O relacionamento com o artista Diego Rivera também é abordado dentro da perspectiva cinematográfica, somando mais humanidade as contradições (ainda assim, normais) de Frida Kahlo, entenda que seus problemas só estavam visíveis a outros olhos humanos.



Movimentista, louca, conquistadora, pataquada, egocêntrica, e muitas outras características foram aplicadas na personagem real. O que é verdade? Não sei. A percepção da mão hollywoodiana fica naquele singelíssimo bigode ostentado por Salma Hayek, quando, na realidade, todo mundo que conhece Kahlo sabe que ali existia um vasto bigode. Rivera (interpretado pelo ótimo Alfred Molina) também parece mais plausível na sua arte do que na representação do cinema, alguns o acusavam de terrores com Frida.

Fica parecendo, então, ou enfim, que uma vida continua em cores, em saltos e aos montes.

quinta-feira, 4 de abril de 2013

De Criança para Crianças (Crítica: Moonrise Kingdom / 2012)

"Os homens temem a morte, como as crianças temem a escuridão."



Sabe-se lá a causa que move Wes Anderson na hora de produzir um filme. Afeito a maneirismos muito característicos, onde tudo é extremamente calculado, como a tão habitual câmera em movimento, que surpreende tanto o espectador em momentos oportunos, mas inesperados; a fotografia excêntrica; a "dramédia" comumente relatada em seus dias de labuta, Anderson entrega em Moonrise Kingdom (EUA,2012) seu trabalho mais completo, onde pela primeira vez tudo se encaixa e faz todo o sentido para quem consome essa verdadeira obra de arte.

Reencontrando antigos amigos, pouco a pouco, Anderson foi realizando Moonrise Kingdom. Primeiro escreveu o roteiro em parceria com o amigo Roman Coppola, depois convidou seu fiel escudeiro Bill Murray e, a partir daí, foi definindo um elenco de peso para participar da película. Frances McDormand, Tilda Swinton, Edward Norton e Bruce Willis são alguns dos nomes que pesam na produção do filme, ainda mais nesse caso, quando esses atores vão servir de suporte para contar a história de dois pré-adolescentes sedentos por liberdade.



Wes Anderson vai até 1965, numa ilha isolada na Nova Inglaterra, para contar essa história recheada de fantasia, saudosismo e aventura possível. Numa casa, morando com os pais (Murray e McDormand), está Suzy Bishop (Kara Hayward), uma menina de 12 anos, culta e vaidosa, insatisfeita com a rotina e com o pouco caso do pai. A mãe de Suzy, que sme querer alimenta uma barreira entre ela e a filha, também não é espelho para a menina, já que está mantém um caso com o único policial da ilha, interpretado por Bruce Willis. Na outra extremidade desse cubículo terrestre está Sam (Jared Gilman), escoteiro da equipe do comandante Ward (Norton), adotado e rejeitado pelo amigos. A rejeição, segundo os sentimentos de Sam, parece vir de sua engenhosidade, que aos poucos pode lhe atribuir características de insanidade.

Quando Sam e Suzy começam a se corresponder, logo de cara já nasce um sentimento de confiança mútua, tão inexistente no meio em que eles sobrevivem, despistando maiores questionamentos de pais, tutores ou meros colegas de barraca no acampamento. Como um bote salva-vidas um se agarra ao outro e imediatamente precisam um do outro para ser feliz, tentar ser quem realmente são. Num dia qualquer, as crianças resolvem fugir, viver uma aventura e construir uma breve história juntos. A questão que doma o espectador é justamente no que se transforma esse roteiro de Coppola e Anderson, totalmente livre de clichês e cortes tendenciosos a pieguices. Não. O direcionamento é mais humano, mas sem tirar o olhar inocente e revolucionário de uma criança apaixonada. A fuga de Suzy e Sam vai gerar um verdadeiro caos dentro da ilha, incluindo um encontro entre os pais de Suzy, o policial galanteador, o escoteiro-chefe atrapalhado e uma desinformada assistente social (Swinton), todos em busca de destruir algo que nem se atrevem a mensurar.



Como eu li numa crítica de um amigo, é muito difícil encaixar Moonrise Kingdom num gênero, principalmente pela máscara que Anderson consegue botar nos seus trabalhos. Por exemplo, nessa obra sobra espaço para a comédia, para o drama, para a crítica social, para o apelo mercadológico, entre outras coisas. Porém, Moonrise Kingdom ganha por não pecar nos excessos. O humor é dotado de uma simplicidade genuína; o drama tem uma melancolia doce, recheada de boas memórias; a crítica se perde no rosto dos protagonistas (embora seja perfeitamente entendida), mas como é um mundo de aventuras infantis, a troca de personalidade entre crianças e adultos ainda soa como parte de uma história e não da realidade. E aqui entra o ponto mais perverso de Moonrise Kigdom: infelizmente a realidade é suplantada pelos próprios personagens centrais, que observam a fuga imaginária como a principal forma de respirar novos ares e de doação de ambos. Anderson cria uma fábula cheia de casinhas, castelos, vilões, pontes, riachos, todos se unindo contra a precisão de uma paixonite aguda.



Com essa obra, Wes Anderson chega ao respeitável posto de "cineasta compreendido". Depois de Moonrise Kingdom, fica impossível ignorá-lo novamente. Sua arte e seu modo de ver e fazer cinema entram definitivamente para a rota dos memoráveis, imperdíveis e inexplicáveis sonhos.