terça-feira, 23 de agosto de 2011

De tempos em tempos, o perdão (Crítica: Magnólia / 1999)

“Mas se recusares a deixá-lo ir, eis que ferirei com rãs todos os teus termos”



Quantos filmes você já assistiu e pensou: Que m* é essa?

Poucas vezes tive o prazer de me perguntar isso, porém, a obra sempre se mostrou muito mais do que eu esperava: um grande feito. Existem filmes que não aspiram interpretações pela metade, mas, sim, interpretações que entrem num senso comum ou até mesmo que sejam de origem mais pessoal ainda, mas, sempre interpretações conclusivas.

O cineasta norte-americano Paul Thomas Anderson, hoje simplesmente como P. T. Anderson, é conhecido por trabalhar dessa forma: seus roteiros são sempre recheados das mais diversas metáforas, de diferentes tramas e subtramas, e, ainda, possui um estilo de filmagem muito pessoal, o que dificulta o espectador na hora de interpretar qualquer uma de suas obras.

Em Magnólia (Magnolia, 1999. EUA), Anderson imprime toda sua versatilidade e genialidade na construção do roteiro, na direção dos atores e na própria direção geral do longa. O filme, que foi eleito como sendo um dos melhores dos anos 1990, é uma aula sobre visão, ousadia (desde os travellings até as metáforas) e, principalmente, de complexidade cinematográfica.



Não vou me permitir mais delongas, já que o assunto promete render páginas e páginas de especulações. Por isso, tentarei ser o mais breve e justo possível.

Paul Thomas Anderson já tinha provado sua genialidade em várias subdivisões da arte cinematográfica com Boogie Nights (1997), filme que aborda o nascimento da indústria pornográfica nos Estados Unidos. Consequentemente, precisava agora provar que Boogie Nights não havia sido sorte de principiante e que, sim, ele era um NOME do Cinema contemporâneo. Nesse instante nasce a ideia de Magnólia. P. T. Anderson manteve boa parte do elenco de Boogie e começou a rodar o que foi sua obra prima até o nascimento de Sangue Negro (2007). Isso na opinião dos grandes críticos mundiais, opinião a qual compartilho.

Magnólia começa tenso e confuso. Ao invés de apresentar seus personagens, Anderson opta por mostrar uma série de acontecimentos na vida de pessoas que não farão diferença nenhuma no caminhar da história que logo mais começará a ser contada. Um homem que tenta o suicídio se jogando de um prédio, mas que no exato momento em que passa pela janela do seu apartamento é atingido por um projétil de arma de fogo, disparado pela própria mãe, que discutia com o marido. Anderson fez esse take com a intenção de mostrar como nós estamos à mercê das coincidências da vida, do acaso. E que sob esse (o acaso) nós não temos controle nenhum.



Então, resta a Anderson começar a apresentar seus personagens, que são muitos, de mundos diferentes e que terão, por algum motivo, suas histórias interligadas. Magnólia vai acompanhar um único dia na vida desses personagens. Assim, nos é apresentado Earl (Jason Robards) um milionário produtor televisivo que está à beira da morte, em função de um câncer. Earl é casado com Linda (Julianne Moore), uma mulher bem mais jovem que o marido e que se casou por interesse, mas que vê na doença deste o florescimento do amor. Acamado, Earl conta com a ajuda do enfermeiro Phil (Philip Seymour Hoffman, aqui o grande ator se contém num papel tímido). É Phil quem vai lutar para que Earl reveja o filho que ele abandonou há muitos anos atrás. O filho é Frank Mackey (Tom Cruise, na melhor atuação de sua carreira), uma espécie de guru sexual, que empreende uma jornada machista. Do outro lado temos o policial Jim (John C. Reilly), talvez seja esse o personagem mais ingênuo da trama, é nele que Claudia (Melora Walters, também sensacional) encontra uma nova chance de estruturar sua vida, sair do vício das drogas e, finalmente, se livrar do seu trauma. Claudia é filha de Jimmy Gator, apresentador de um programa de televisão (produzido por Earl) que mostra uma competição intelectual entre crianças e adultos. Jimmy tem uma relação conturbadíssima com Claudia. Stanley (Jeremy Blackman) é um garoto prodígio que é usado pelo pai para obter dinheiro e fama através do programa de Gator. Para fechar, temos Donnie Smith, é um quarentão fracassado, conhecido por ser, quando criança, um recordista do programa de Gator. Anderson montou o cenário e agora começa a bela confusão.

É incrível como Anderson consegue trabalhar com tantos personagens e mesmo assim imprimir complexidade e profundidade nos tais personagens. Todos eles são vítimas de um passado obscuro, pedante e de arrependimentos. É um ode ao perdão. Todos buscam redenção, de uma forma ou de outra. A personagem de Julianne Morre talvez seja a mais difusa da história, porém, tem sua importância: foi a partir dela que Anderson construiu as outras figuras. Também é curioso como as histórias se repetem: a indefinição na relação entre pais e filhos, a destruição de uma vida inocente pela ambição de outro, a doença como fator de reaproximação e o acaso como ponto de solução.



Tecnicamente, Anderson dá um show. Desde os closes e os cortes repentinos, um mesmo personagem não tem mais que 5 minutos para mostrar sua história, os cortes aparecem em momentos de grande tensão e em momentos de mera contemplação. O diretor também usa travellings geniais, capazes de deixar qualquer aspirante a cineasta com água nos olhos, como é a cena em que o garoto Stanley corre pelos corredores do estúdio do programa de Jimmy Gator.

Agora vem, o que talvez seja o maior tesouro da obra de Anderson, as intermináveis metáforas. Precisei assistir novamente o filme para ver o constante aparecimento do número 82, na primeira vez passou completamente despercebido. O diretor, ainda, colocou numa das cenas de gravação do programa de Gator, um figurante que ergue um cartaz no meio da plateia. Nele está escrito: Êxodo 8:2. Uma menção bíblica que diz o seguinte: “Mas se recusares a deixá-lo ir, eis que ferirei com rãs todos os teus termos”. E é aqui que inicio a discussão sobre a cena mais polêmica do filme: a chuva de sapos. Qual a finalidade dessa chuva? Castigo? Ponto de partida?



Coincidentemente, a estranha chuva tem início quando o personagem de Tom Cruise, já anestesiado pelo encontro com o pai, pede que este não se vá. Nesse momento o primeiro sapo cai do céu, dando passagem para mais um milhão de sapos que vão cair ao longo da cena. ISSO PODE ACONTECER. É o que diz o menino Stanley diante da chuva. Novamente o acaso ou finalmente a intervenção dos céus. Lembre-se do menino que se intitulava profeta e que aparece em alguns momentos do filme: para denunciar um criminoso para Jim, para salvar a depressiva Linda, para resgatar a arma de Jim... arma essa que cai do céu junto com os sapos. Quem era aquele menino, afinal? Qual era o papel daquela criança. Notem a complexidade da obra de Paul Thomas Anderson.

Outro momento bastante metafórico se dá no instante em que todos os personagens cantam a mesma música. É como se todos estivessem sentindo o mesmo, se unindo no sofrimento e fossem parar no mesmo ponto. Numa hora todos iam se encontrar. E as histórias se encontram.

O nome do filme também rende outra metáfora, um pouco mais complexa. Acredita-se que a magnólia seja a flor mais primitiva que existe no mundo. Daí as atitudes, buscas e receios dos personagens. Todos somos frutos de alguma coisa, somos regidos por alguma coisa e nada mais depende só de nós. É o ser humano em seu estágio mais dependente possível.

O destaque de atuação vai para Tom Cruise e a novata Melona Walters, os outros atores se mantém razoáveis, mas não comprometem o filme em momento nenhum. Tom Cruise é destaque absoluto, conhecido por ser um ator limitado, aqui o Sr. Cruise entrega a melhor atuação de sua carreira: desde o começo como um libertino machista até o final onde entrega a melhor cena da carreira. O encontro com o pai é arrepiante, e só vemos em Cruise uma criança pedindo atenção. Como Stanley pede para o pai (as histórias se repetem). A intensidade com que Cruise constrói o personagem é digna de um Oscar (o ator foi reconhecido com uma indicação na categoria de Melhor Ator Coadjuvante). Não conhecia Melona Walters até ver Magnólia, entendi seu sofrimento e sofri junto como um fiel escudeiro. Outro show a parte. São os adultos voltando a ser crianças: com ela isso ocorre na cena do jantar com o policial Jim, notem a ansiedade da personagem frente a possibilidade de se achar.



Estou terminando esse texto crente que estou deixando três milhões de coisas para traz. Isso incomoda. Queria poder falar de cada metáfora que aparece na obra e que não consegui enxergar nas duas vezes que assisti. Paul Thomas Anderson proporciona a cada um de nós uma experiência arrebatadora. Um caminho surreal que tem como ponto de partida o arrependimento e ponto de chegada o perdão, embora para alguns esse fim nunca chegue. Permitindo-lhes, então, o silêncio e o fardo.

terça-feira, 9 de agosto de 2011

A Textura das Nuvens (Crítica: O Fabuloso Destino de Amélie Poulain / 2001)

Imagine uma vida feita de açúcar.

Imagine mãos feitas de açúcar.

Sinta o cheiro doce, não do açúcar.

Escolha vidas e com suas mãos, transbordando de açúcar, toque em todas elas.

Agora voe...



“Tem coisas que a vida não muda, tem coisas que a gente quer mudar”

Fábulas. Um mundo construído por um diretor totalmente alheio a essa espécie de obra. O diretor francês Jean-Pierre Jeunet estava acostumado com obras mais sombrias como Delicatessen (1991) e Alien – A Ressurreição (1997) até o dia em que uma nova lâmpada acendeu em sua mente e ele escreveu O Fabuloso Destino de Amélie Poulain (Le Fabuleux Destin d’Amélie Poulain. França, 2001).
Fabuloso mesmo. Surpreendente, doce, único, singelo e, ainda, poderia ficar aqui citando madrugada afora mais um milhão de bons adjetivos para definir essa obra.

Sim, é Cinema Francês. Algumas pessoas têm certo receio com essa terra que já lançou, pelo menos no mundo cinematográfico, uma série de gênios, como Truffaut, Resnais e Godard. Cinema Francês é parado? É. Cinema Francês é cansativo? Pode ser. Mas, como é possível ver em qualquer tipo de Cinema Nacional, tudo depende do que procuramos. As características do Cinema Francês são todas tiradas do mundo das artes (onde a maior parte dos filmes do país foca) e retratá-las sem intensidade, sem reflexão e com mão leve soa muito contraditório e infiel. Daí pensei: Antes de partir para Truffaut, Godard, Catherine Deneuve, Jeanne Moreau, porque não o despretensioso Amélie Poulain? Para resumir, trago a obra de Jeunet para desmistificar o Cinema Francês na mente de algum iniciante no mundo do Cinema ou até num cinéfilo com profunda queda pelo Cinema Ianque. Aqui a arte francesa consegue ser leve, bobinha (tente achar o melhor sentido para essa palavra), emocionante, carinhosa. É uma mão, transbordando de açúcar, dentro do nosso coração.



Escrito e dirigido por Jeunet, Amélie Poulain chegou ao circuito internacional de Cinema do ano 2001 como o patinho feio (alguns definiam o filme de forma crua: desinteressante), no mesmo ano conquistou crítica, Goya, César, público (francês e do resto do mundo), tendo como fim da caminhada no ano, a rendição do Oscar à obra.

Até hoje Amélie conquista uma quantidade incalculável de pessoas, mesmo no Brasil, tamanha é a viagem proporcionada pelo filme. E isso é sublime, faz com que acreditemos na gente como humanos, como protetores, como seres capazes.

Amélie Poulain (interpretada por Audrey Tautou, força física impressionante) cresceu em meio as paranoias dos pais. Examinada pelo próprio pai, ainda criança, Amélie é erroneamente diagnosticada como uma menina com problemas cardíacos muito sérios. Por isso, Amélie foi isenta de estudar em escolas como qualquer outra criança de sua idade, cresceu sozinha, sem amigos (sua melhor amiga trata-se de uma câmera fotográfica). E nesse colapso neurótico, Amelie cresceu em completo estado de voyeurismo. Sabia da vida e das pessoas somente o que ela pôde observar.



Em função de uma infância reprimida, Amélie construiu um castelo em sua mente e ali abrigou os mais diversos sonhos e fantasias. Imaginação fértil é pouco. É uma roseira que nunca morre, dali germinou tudo o que Amélie pensa sobre o mundo e tudo o que ela pode e vai fazer por ele.

Já adulta Amélie muda-se para Montmatre e vai trabalhar como garçonete. Um dia, no seu apartamento, a jovem parisiense encontra atrás de um azulejo solto, numa caixinha, as memórias da infância de um garoto que supostamente teria vivido ali, naquele mesmo apartamento, nos anos de 1950. Após encontrar o senhor (que já aparentava ter mais de 50 anos) e ao ver a reação dele ao receber aquele tesouro, Amélie encontra uma nova razão de viver: ajudar todas as pessoas que passam pelo seu caminho. Amélie pode ser encarada como uma heroína, daquelas mais simples possíveis, sem grandes poderes e tendo como única arma a sua gloriosa imaginação.

Das formas mais inusitadas, a jovem vai ajudando seus iguais. Um casal improvável, mas que sua junção traria benefícios para uma infinidade de pessoas; um colecionador de fotos 3x4 (o ótimo Mathieu Kassovitz); um verdureiro rechaçado pelo seu patrão; uma senhora abandonada pelo marido. E nem tudo caminha com a justiça, na verdade, quase nada caminha com a verdade, mas, com tudo que Amélie julga ser certo. Da ajuda ao colecionador de fotos 3x4 surge uma paixão singela e surpreendente, que rende os melhores momentos do filme: mistura-se comédia, romance, aventura e suspense.



Jeunet acertou em quase tudo nessa obra: na escolha dos atores; na direção de arte, que é fabulosa, desde a explosão de cores até o figurino, hora, inusitado; nos efeitos de câmera, esta que nunca deixa de ser ágil e reveladora; na construção de um roteiro inovador, gótico e surreal, formando essa verdadeira fábula; na apresentação física e psicológica das personagens e no narrador, que soa ser o grande amigo de Amélie. Como se a câmera ganhasse voz e resolvesse contar a vida da senhorita Poulain.

O que merece cem capítulos à parte é a trilha sonora de Yan Tiersen. As composições de Tiersen não permanecem apenas na cena. Tem momentos que a música para de tocar (raros, pois o filme é quase que inteiramente pontuado pela Valse d’Amelie), mas, que a gente de tão imerso na história e na doçura da trilha, continuamos com todos os toques das canções na cabeça. É uma trilha que sobrevive após a projeção da película.



Amélie Poulain é esse lado mais leve, menos crítico, menos preocupado do Cinema Francês. Humano na sua veia mais profunda, fantasioso na sua primeira aparição. Depois de assistir é como se tivéssemos finalmente descoberto a sensação de deitar numa nuvem.

“Pudera eu sentir, sorrir, e ver o sorriso na face de todos que espero que sintam”.

Desculpem-me pela cópia, meus caros.

quarta-feira, 27 de julho de 2011

Mundo de Lá (Crítica: Os Incompreendidos / 1959)



Poucos já tiveram o prazer de saber o que é Cinema. Cinema puro, sensível, delicado e de qualidade inquestionável. Cinema este que revelou uma corrente de diretores e roteiristas talentosíssimos e com uma sede de trabalhar em prol da sétima arte. Esse é o movimento artístico denominado Nouvelle Vague, que surgiu na França no fim dos anos 1950. Podemos encarar o movimento francês como parte de uma cultura de contestação dos antigos valores que ia se erguendo nos anos de 1960, como a rebeldia dos jovens representada pelo rock and roll, a liberação sexual e econômica das mulheres, contextualizando, assim, o conhecido movimento feminista.

O Cinema não ficou atrás como pode ser visto e revisto com as obras cinematográficas do movimento. A Nouvelle Vague tem entre suas maiores características ir contra os moldes pré-estabelecidos pelo Cinema norte-americano. O diretor passa a ter mais liberdade ao trabalhar com a câmera, com o próprio tema da obra, já que era válida a exploração de temas tabus na época, a experimentação de novas linguagens cinematográficas, tornando a linearidade da narrativa algo não obrigatório.



Os cineastas da Nouvelle Vague são em sua maioria todos oriundos da crítica cinematográfica, trabalhavam na revista Cahiers Du Cinema. Cinéfilos eles já eram, e resolveram arriscar atrás das câmeras, trazendo um sopro de modernidade ao modo de fazer Cinema. Vale lembrar que inicialmente os recursos para fazer o filme saíam do bolso dos próprios cineastas e de seus familiares. Entre os grandes gênios que surgiram com a fundação da Nouvelle Vague podemos citar: Jean-Luc Godard, François Truffaut, Claude Chabrol, Eric Rhomer e Alain Resnais. Todos esses críticos e agora diretores tornaram-se mitos na história do Cinema Mundial.

No geral, com o novo movimento (que pode ser chamado de escola, embora os fundadores não apreciassem muito essa denominação) traz uma nova configuração ao representar o Homem nas telas. Não existe mais a representação simples de um romance por pura representação, agora existe um mergulho nas profundezas do psicológico do ser humano, festejando liberdade existencial do Homem, desde suas conquistas até suas práticas mais banais do cotidiano. E o Cinema como um todo só ganha com isso. Uma grande aquisição é a ruptura com o cinema totalmente filmado em estúdios. A humanização das práticas ganha cada vez mais espaço, trazendo para os espectadores a tão saborosa identificação com as personagens, com a história e com o mundo do cinema.

A Nouvelle Vague tem seu marco inicial com duas obras: Acossado (1959) de Godard e Os Incompreendidos (Les Quatre Cents Coups, França, 1959) de François Truffaut. Como os roteiros das duas obras pertencem a Tuffaut, ele foi considerado o grande nome do movimento. Os dois filmes estavam tocando na ferida da época: a revolução dos valores morais. Embora sejam obras que se enquadram num mesmo movimento e relativamente numa mesma temática, elas são bastante diferentes quanto ao público que se dirigem. Hoje a crítica é de Os Incompreendidos, o pequeno grande clássico de Truffaut.



Truffaut escolheu, em seu primeiro trabalho como cineasta, tentar desvendar o mundo de uma criança (12, 13 anos) que não se encaixa em nenhum lugar da sociedade, que pelo mesmo contingente é massacrado por não seguir uma constante em sua vida. Segundo alguns críticos, o personagem principal da obra Antoine Doinel é o alter-ego do diretor. Truffaut também nasceu no seio de uma família pobre que não se sustentava emocionalmente, desprezado pela mãe e pelo padrasto, Truffaut viveu nas ruas de Paris, cometeu pequenos furtos e chegou a ficar durante um tempo num reformatório. Truffaut buscou na sua própria história e na construção de Antoine uma visão compreensiva sobre o mundo de um jovem incompreendido pelos adultos. Por esse motivo, pela intenção do cineasta, acho o título nacional bem mais feliz que o francês, que numa tradução ao pé da letra seria como “pintando o sete”, o que dá um aspecto muito cômico a história. Realmente a história é repleta de momentos cômicos, mas acredito que o título nacional sugere uma amplitude muito maior quanto ao que o diretor realmente foi buscar ao rodar esse filme. É cômico, engraçado, sensível, delicado, inteligente, fascinante, biográfico. É lindo.

Antoine Doinel (Jean-Pierre Leáud, um marco) é um garoto que tem, aparentemente, seus 13 ou 14 anos. Vive na efervescência de Paris totalmente jogado aos tubarões. O padrasto volta e meia parece gostar do garoto, mas também é impaciente, não tem um diálogo considerável com o filho. A mãe (tão cabível à época: é a mulher entrando no mercado de trabalho, mas ainda insegura e, por isso, busca no adultério uma estrutura mais forte), flagrada pelo menino num ato de adultério, chantageia o garoto em prol de suas intenções, pisa na sua infância, tornando-se uma verdadeira megera em dado momento do filme. Na escola o garoto também não se encaixa, o professor é o verdadeiro carrasco da vida de Antoine.



Antoine não é um garoto bom nem mal, é simplesmente um garoto, com todos seus defeitos e tímidas qualidades, uma criança que aprendeu na rua o que supostamente é certo e o que é errado. Depois de tantos problemas na escola, e a difícil compreensão dos motivos por parte dos pais, Antoine parte para a rua, começa a cometer pequenos furtos, até ir parar num reformatório.

O carinho com que Truffaut trata a personagem é emocionante. Sem abandonar o tom naturalista, Truffaut constrói uma criança adorável, mesmo em seus erros gritantes, mas nunca, nunca mesmo, cheguei a pensar que ele podia se prostrar diante dos pais ou da autoridade de seu professor. Criamos um laço afetivo tão grande com a personagem que ele arranca risos e lágrimas discretas de nós espectadores de uma maneira muito fácil, isso é mérito do diretor, mérito desse amor entre diretor e personagem. Ressalto também que Truffaut levou a personagem para mais cinco filmes seus tamanha era sua identificação com Antoine.



A obra tem momentos cômicos e momentos extremamente sensíveis. Vale lembrar como cômico o momento em que o professor sai com os alunos por Paris numa fila indiana e um a um os alunos vão se infiltrando nos becos e prédios da cidade, numa fuga hilária do professor ditador. De cenas sensíveis, a obra é repleta. Desde a identificação da personagem com Honoré de Balzac (e o massacre feito sobre essa identificação) e a belíssima cena final, em que o garoto, correndo numa praia, para e encara a câmera. Um dos finais mais delicados e explosivos que já vi.

O resultado final é uma obra única, o herói, tão visto nos filmes convencionais, aqui é um anti-herói. Truffaut não transforma Antoine num humano digno de pena nem num garoto digno de desprezo. Transforma o garoto num problema simples. Assim, em nenhum momento a obra parece ser piegas ou extremamente melodramática. É um filme como nenhum outro, difícil de criticar, mas fácil de apaixonar-se. Truffaut dá suposta margem à entrada do menino à marginalidade sem conseqüências e sem razão, leva o menino até o ponto em que ele (Truffaut quando criança) parece que conseguiu escapar. Ninguém sabe o que vai ser de Antoine, mas todos sabem o que foi Truffaut.

terça-feira, 19 de julho de 2011

Blá Blá Blá (Crítica: Lembranças / 2010)



Existem diretores, atrizes e principalmente atores que me causam certa resistência a assistir seus filmes. Mas, tudo isso é muito consciente, conheço bem o trabalho do indivíduo antes de julgá-lo bom ou mal até o fim da vida (assim me parece), não é assistir a um filme e surge essa resistência, até porque eu sei que atores podem não aparecer bem em uma obra devido a um roteiro cheio de falhas, um diretor fraco ou até mesmo um companheiro de cena travado. Tem que estar tudo montado pra que eles possam brilhar. Ainda assim, o trabalho mais difícil fica por conta dos atores: para o filme ir bem, eles têm que se entregar ao máximo e não podem ter medo do que podem precisar fazer em cena; se por ventura o filme for mal, é nos ombros dos atores que cai o fardo também.

Depois de muito insistirem resolvi verificar o que era Lembranças (Remember Me, 2010. EUA). Foi muita insistência mesmo. Sempre que comentava com alguém o quanto eu achava Robert Pattinson um péssimo ator, lá vinha: “Mas você já assistiu Lembranças? É o melhor filme dele, ele está ótimo, o filme é surpreendente e blá blá blá blá blá”. Antes de tudo, quero deixar bem claro duas coisas: primeiro, gosto é uma coisa que realmente não se discute, cada um tem o seu mesmo e, segundo, NÃO É PERSEGUIÇÃO, não estou aqui para falar mal de ninguém, por isso, tudo o que eu achei ruim vai ser argumentado e não simplesmente jogado aqui no texto.



Li uma resenha sobre o filme que me chamou muito a atenção, Pattinson passa hoje pela mesma situação que passou Leonardo DiCaprio na época de Titanic. Porém, existem diferenças. DiCaprio conseguiu provar num de seus primeiros trabalhos Gilbert Grape (1993) que tinha talento, tanto é que foi indicado ao Oscar logo de cara. Com Pattinson acontece diferente. Após o fenômeno que se tornou a Saga Crepúsculo (aqui entre nós, como isso conseguiu virar um fenômeno?) Pattinson vem tentando mostrar uma veia mais madura e dramática, simplesmente querendo encontrar seu lugar no meio dos artistas respeitados em todo o mundo. Lembranças já é sua segunda tentativa. Isso é sinal de que beleza te leva longe mesmo, porque até hoje Pattinson não conseguiu transmitir para as telas nem 1% do que ele consegue com capas de revista, fãs, publicidade, etc. Falha da indústria cultural ou do público consumidor (já cansei de falar que tenho a nítida impressão de que cada vez mais o mundo se torna um teenage dream insuportável).

Se você espera uma virada nessa crítica, que em algum momento eu começarei a falar bem do filme ou de Pattinson. Desculpa, enganou-se. E o que mais vai ter aqui são spoillers.

Antes de explicar um pouco como é o filme tenho que alertar para a fragilidade do roteiro de Lembranças escrito por Will Feters. Ao longo do filme você vai percebendo as lacunas que esse roteiro vai deixando. Até que no final não se entende nada, a impressão que eu tive é que eu assisti três filmes ruins em apenas um péssimo.



Pattinson é Tyler Hawkins, um cara de família rica, mas que nega todo o dinheiro, pois está em busca de um rumo na sua vida, trabalha pra se sustentar, mora num apartamento caído com mais um amigo. Enfim, é aquele tipo que estamos enjoados, por algum motivo ele se rebela contra a falta de tempo do poderoso pai (Pierce Brosnan) para dar atenção à família, contra a falta de sentimento no mundo, as injustiças (putz). Tyler entrou nessa filosofia de vida após o suicídio do irmão.

Enquanto Tyler não encontra seu caminho ele vai vivendo, estuda, sai de vez em quando (apesar de parecer muito introvertido) e às vezes arranja confusão. Numa de suas saídas, após uma briga de rua, Tyler acaba preso por desacatar o policial Neil Craig (Chris Cooper, sempre no tom certo). O que acontece é uma série de situações que extremamente previsíveis e até parecem chamar os espectadores de máquinas: “Vai, absorve isso aí” – O que chamaríamos nas, nem um pouco saudosas, aulas de Teorias da Comunicação de padronização. Tyler, movido pelo colega de apartamento (que por algum motivo acha que tem que dar o troco no policial), é convencido a se aproximar da filha de Craig, Ally (Emile de Ravin, a Claire, de Lost).

Tudo bem, o cenário está formado, e tenho certeza que você sabe tudo o que vai acontecer a partir de agora. Agora minha pergunta é: Porque o roteiro não se manteve centrado na história de Tyler e Ally? Mesmo Tyler com tantos questionamentos sobre a vida já dava um filme.



Ok. Ally se apaixona por Tyler, e ele por ela. Até que chega o momento em que Ally descobre a armação, briga com Tyler, termina tudo e vai embora. A partir daqui, parece que começa outro filme. A única pessoa com quem Tyler ainda mantinha uma boa relação antes de conhecer Ally, era sua irmã mais nova. A menina sofre na escola por ser muito madura para sua idade, é praticamente uma artista intelectual. Após Ally ir embora, a trama central do filme passa a ser a relação de Tyler com a irmã. Após uma trágica festinha de aniversário, a irmã de Tyler torna-se a protagonista do filme e quando menos se espera Ally está de volta para auxiliar o amado e sua família. Não existe uma conversa de reconciliação, de colocação dos pingos nos “is”. Desconexo até a última gota.

Se não bastasse esse imenso recheio de clichês e de histórias sem quê nem porquê, vem o final. Para alguns pode parecer surpreendente e impactante. Para mim só mostra a intensa fragilidade do roteiro, que precisou apelar para um final que foge da história e que realmente é impactante. Mas existem bons e maus impactos. Diria que foi desagradavelmente impactante.

As histórias vão sendo deixadas de lado, é como se no meio de uma o diretor pensasse “Ah esqueça essa. Olha essa. Muito mais interessante né?”



Robert Pattinson não faz nada mais do que o babaca do Edward. Monta um personagem travado, repleto de caretas e diálogos chatos. Pattinson tem muito o que evoluir. Na cena em que o ator deveria mostrar toda sua veia dramática e mostrar o que sabe fazer, ele é engolido por Pierce Brosnan, que cá entre nós, não passa de um ator mediano. Emile de Ravin está apagada. Também dá pena ver grandes atores como Chris Cooper e Lena Olin nesse tipo de trabalho sem expressão.

A sensação é de muito blá blá blá. O filme poderia ter sido muito melhor se escolhesse apenas uma das subtramas, mas optou por uma imitação de Crash (2005) com histórias fracas e atores pouco expressivos.