sexta-feira, 3 de agosto de 2012

O Espetáculo da nossa Existência (Crítica: Foi Apenas um Sonho / 2008)

Assim, soluçou a desesperança.
Ela estava aqui.



Dos augúrios de uma caminhada, o mais palpável deles será a falta de esperança. Expectativas podem (e irão) cair por terra e junto levar um casamento, uma família, algumas vidas.

O breve contexto serve pra situar o campo em que estamos pisando, os buracos cobertos com folhas e as armadilhas disfarçadas numa capa. Sam Mendes, diretor do incrível Beleza Americana (1999), é um dos diretores mais competentes quando o assunto é desnudar minuciosamente a sociedade americana, abrindo canais dentro do seu mais íntimo desejo, e correndo de mãos dadas da falsa moral construtora dessa massa única.

Se em Beleza Americana o diretor destruiu a plácida e orgulhosa imagem desse povo, em Foi Apenas um Sonho (Revolutionary Road, EUA. 2008) Mendes recobra todos os sentidos e características do mesmo “modelo de vida”, o “American way of Life”, para evidenciar seu nascimento, pautado por falhas, no âmbito de uma nação preconceituosa e extremamente valorizada.


A tarefa do diretor não é fácil, talvez, por isso o filme tenha alguns percalços desnecessários. A maça estava ali e deveria ser roída até o cabinho, assim eu vejo um pouco de superficialidade no tratamento do tema e na condução das personagens. Um aprofundamento maior só traria ganhos à película e ao currículo de cada um dos envolvidos. Por isso, também, o filme foi quase que completamente ignorado pela academia de cinema em 2009. Sam Mendes não é mais a galinha dos ovos de ouro.

Após muito enrolar, vou me reservar somente ao roteiro e suas nuances, que hora ou outra se perderá devido ao superficialismo momentâneo. O filme não segue uma estrutura linear, já no início somos apresentados a um casal em tempos de guerra particular. A primeira cena já é tão forte que dá pra temer o que o filme nos reserva. Num movimento de regressão, o filme nos leva a uma tímida festa em Nova York. Lá, April (Kate Winslet, primor) e Frank (Leonardo DiCaprio, absurdamente talentoso) se conhecem. Ela é uma aspirante a atriz, enquanto ele
transita por várias áreas sem saber realmente o que quer fazer. Juntos descobrem uma relevante afinidade: passar pela vida de forma espetacular, aproveitando cada segundo, fazendo valer cada respiração.


É claro que nada vai dar certo. O casal vai se perdendo, corroendo a si próprio, desvendando um aspecto nada solar de duas pessoas que supostamente se amavam. E aqui, mais do que nunca, entra a crítica psicossocial de Sam Mendes. Inventa-se um molde de vida com o qual temos que nos adaptar e, ainda, repassá-lo como absoluto. Presente do pós-guerra, dádiva do pré-feminismo.

O problema reflete algo podre dentro de nós e, assim, os personagens vão se descobrindo e nós nos apegamos ao papel de julgador, aquele que dá a nota ao final de tudo. O que acontece é que, aliados a uma promessa de vida, o casal se vê afundar na mesmice. Frank está preso a um trabalho que não gosta, dentro de uma empresa e sem nenhum tipo de reconhecimento. April se torna histérica e ácida à beira de uma pia, lavando pratos e pensamentos. A concretização de um modo de vida comum incomoda muito mais April do que Frank, já que ele vê na proliferação do dinheiro e no adultério uma maneira simplista de aliviar sua frustração. Ela não tem nada a perder, mas é quem mais perde.


Sem notar muito as opções individuais, nem mesmo as coletivas, o casal vai se arrastando na imensidão do vazio que os abasta. As coisas vão perdendo o sentido, os olhares vão correndo logo para o fim, e cada sentimento se prostrando como tal é na vida real. Os sonhos se tornam pesadelos, o respeito toma face incomunicável e o amor dá lugar a raiva. O ápice do desespero de April surge quando a dona de casa sugere que os dois façam as malas, peguem os dois filhos e “fujam” para Paris, lá ela iria trabalhar, enquanto ele estudava algo que ele gostasse. O bote salva-vidas de April fura facilmente, pois ela encontra a submissão do marido, que já foi consumido pelo medo de recomeçar. Frank não está feliz, tampouco pronto pra refazer o casamento.

Daí, pra acirrar essa miscelânia de sentimentos, aparece John (Michael Shannon, brilhante). O filho da vizinha e corretora de imóveis do casal, interpretada pela ótima Kathy Bates, sai de um manicômio e resolve fazer uma visita ao casal infeliz. É John, que tomado por uma angústia causticante, vai deliberar os diálogos mais impressionantes desse filme. De forma muito doída, Frank e April recebem como tapas na cara cada uma das palavras de John, que vai metralhando e esclarecendo a mediocridade que a dupla mergulhou. Tudo sucumbirá como um suspiro de morte.


Os olhares de profundo ódio que um começa lançar ao outro são magistrais. É incrível ver a esperança se esvair, ver a solidão e o egoísmo tomarem conta de uma família. Estou enjoado de dizer o quanto Kate Winslet é boa no que faz. Vencedora do Globo de Ouro de Melhor Atriz pelo filme, Kate se consagra como a melhor atriz de sua geração, provando que não existe vaidade que não possa ser suplantada. DiCaprio é, sem dúvida, o novo Robert DeNiro, misturado com a sensibilidade de Sean Penn e a dedicação leal de Robert Duvall. Ainda vamos ouvir falar muito de Leonardo DiCaprio.

Com uma direção de arte invejável, Sam Mendes vai dando forma aos seus pensamentos, criando mundos paralelos entre seus personagens e a plateia. Queira Deus que ele continue a trabalhar com tanto afinco e qualidade, tendo a colaboração de ótimos profissionais e a subordinação de uma legião de fãs (como eu).

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