domingo, 3 de fevereiro de 2013

Uma Atriz (Crítica: Acusados / 1988)

Jodie Foster, acima de tudo. Algumas coisas são assim, se definem pura e simplesmente por um motivo, te caçam e te atingem pura e simplesmente por um único motivo. Acusados (The Accused, EUA, 1988) é Jodie Foster, acima de tudo, talvez como “Monster – Desejo Assassino” (2003) seja Charlize Theron, acima de tudo. Não é o mesmo que dizer que o filme não tenha qualidade, é apenas dizer que a agulha no palheiro foi encontrada ou que a “vaca” realmente tossiu ou, ainda, que um raio com nome e sobrenome te partiu ao meio. Jodie Foster: a agulha, a “vaca” e o raio.


Sarah Tobias (Foster) é uma garota de classe baixa, típica interiorana norte-americana que bebe, fuma, beija quando está com vontade de beijar, dança quando tem vontade de dançar. A vida já é muito dura pra ficar se privando de algumas vontades. Por outro lado, Sarah leva uma vida totalmente independente, o que de certa forma a torna extremamente sexualizada aos olhos de outrem.

O drama de Sarah começa quando, numa noite em um bar, é levada aos fundos do estabelecimento e é brutalmente estuprada por outros três homens (cena que só é esplanada nos minutos finais do filme, contribuindo para uma montagem também louvável). Ao mesmo tempo em que Sarah é violentada, os outros homens que estão no bar assistem a cena de forma passiva, hora incentivando os agressores, hora ignorando o episódio. Após ser levada ao hospital, Sarah dispõe da ajuda da advogada Kathryn Murphy (Kelly McGillis, ótima), que inicia um processo judicial contra os agressores.


Basicamente, o esqueleto do trabalho de Jonathan Kaplan é esse. O que acontece depois é toda uma situação de colocação dos princípios desses seres em relação à sociedade que os rodeia. Por exemplo: Nos Estados Unidos, a vítima de estupro não é vista a princípio como uma vítima e, sim, como um suspeito de seu próprio caso. O ambiente, a conduta, o tipo de roupa, o tipo de corte de cabelo, todos esses fatores coexistem como indícios de um ato ser considerado crime ou não. O que Kaplan realmente oferece é esse olhar mais direto sobre as morais difundidas pela sociedade. Nesse caso, um esmiuçar tênue ao modo machista de se pensar, ou melhor, de se aplicar leis. Ou seja, Sarah não se vê confrontada apenas pelos seus medos, seus agressores e seus traumas, mas também, pelo sistema penal, que configura um pesadelo ainda maior em sua dura caminhada.

Se Sarah instigou tal ato ou não isso não deveria ficar a cargo da justiça deflorar, se ela consumiu álcool antes, se ela beijou um dos caras antes, isso não importa. Está caracterizado o estupro: um indivíduo forçando o outro a manter relação sexual. Até que a obra vai perder um pouco do seu maior trunfo: o mergulho profundo na cabeça de Sarah. Essa vertente de explorar o psicológico da vítima é, sem dúvida, a sensação do filme, é o que o espectador consome com fúria. Mas, lá pelos altos, o filme se força a crescer como um drama de tribunal, influenciando muito no ritmo que, até então, tinha conquistado, pra só se recuperar nos instantes finais. O filme, que foi inspirado num fato real, ainda se mantém firme principalmente por contemplar o realismo em suas cenas, todas habitadas numa crueza absurda.


Filmes que problematizam a questão judiciária não precisam necessariamente se tornar um filme de tribunal, ainda mais quando não têm cacife pra isso. Embora o roteiro se garanta, a direção se mantenha firme e o elenco brilhe, fica aquela sensação de “queria ter visto mais um pouco disso e não tanto disso”. Entretanto, o filme vale. Vale cada segundo da interpretação soberba (e premiada com o Oscar de Melhor Atriz) de Jodie Foster.

Um comentário:

  1. Esse filme é foda.
    Ainda mais a hipocrisia que rola quando os advogados querem culpar a vítima pela roupa que ela usava, por ela estar bêbada e por ela estar num bar.
    Como se isso desse o direito dos homens estuprarem.

    ResponderExcluir