sábado, 7 de abril de 2012

Sobre cafés, cigarros e Inocência, a jovem dos meus sonhos. (Crítica: Pequena Miss Sunshine / 2006)

"Um homem não está acabado quando enfrenta a derrota. Ele está acabado quando desiste"(Richard Nixon)



Os corações partidos que me perdoem, mas o mundo pode e deve ser um lugar melhor. E essa tarefa não está nas mãos de grupos, comunidades ou classes, e sim no caminho do coração de cada um. A disputa moral entre vitória e derrota leva a crer que as pessoas se esqueceram que alguém sempre vai perder, que pra existir um ganhador, deve existir um perdedor. A derrota é inadmissível, nem como aprendizado ela é bem vinda. Podemos, sim, mascará-la de autoconhecimento, mas o sabor amargo e o temor sufocante são comuns a todos. Como disse Elis Regina: “Nem sempre ganhando, nem sempre perdendo, mas aprendendo a jogar”. Jogar aqui é igual a arriscar, tentar.

Caro leitor, a vida lá fora é selvagem e quem, por qualquer razão que seja, fingir não saber disso, vai perder sob os olhares causticantes da vitória. Faça de quem deveria ser seu amigo, seu inimigo. A vitória deve ser estrangulada. Quando alcançamos o posto de vencedor, pegamos a vitória pelo pescoço e estendemos a quem passar por nós. A vitória é um servo a serviço do ego. A derrota é uma amiga a serviço da vida. Saramago escreveu: Comemore tanto a derrota, a ponto de sorrir para a vitória.



Entre um gole de café e um trago do cigarro (agora caro) me deparei com a inocência, com o sorriso a troco de nada. Um canto poético e muito bem humorado da família problemática, suja e completamente imóvel as questões mundanas. Família de pé, família deitada, simplesmente família. Há muito tempo eu assisti Pequena Miss Sunshine (Little Miss Sunshine, EUA. 2006), mas nunca fez tanto sentido como faz agora. Filmes que retratam a disfuncionalidade de lares capitalistas estão cheios por aí, mas poucos são tão ricos como esse.

O drama não está na prefação de cada personagem, não está na impossibilidade da vida financeira, e sim, no retrato de uma família que não consegue se firmar como tal. Esconder segredos, prestar erros a humanidade é simplesmente o ponto de escape da história, o problema mesmo está mais no fundo de suas entranhas, que no final acaba sendo comum a maioria das personagens.

Como toda obra, genuinamente disfuncional e bem humorada, tem que existir um ponto inicial, excêntrico talvez, mas que vai levar seus personagens a uma nudez incomparável perante o espectador. Não que seja obrigatório existir reflexão dentro do filme, nesse, na minha opinião, não há. Simplesmente os personagens passam por uma situação de crescimento rasa (mais real impossível), como se eles ainda precisassem passar por tantas outras experiências de esclarecimento. Pequena Miss Sunshine e sua história é o “start” nos planos e nas ideias de cada um.



O drama da família Hoover pode ser o drama de tantas outras famílias ao redor do mundo quanto pode não ser. O roteiro se torna aceitável por transmitir tanta verdade e fortes sensações imagéticas ao afortunado senhor espectador. Seja sob a inconsciência arrebatora do pai (Greg Kinnear) ou à suposta intervenção amorosa de sua mãe (Toni Collette), talvez sob o egoísmo puritano do irmão mais velho (Paul Dano) ou da vivência sem limites do avô (Alan Arkin, fabuloso), nada disso põe obstáculos ao sonho da pequena Olive (Abigail Breslin, inspirada pela mesma inocência que abre sorrisos durante a sessão), disposta a tudo para se tornar uma Miss. O problema reside no fato de que Olive não possui as “certas” medidas que a levariam até a vitória. Dona de uma adorável pancinha, cara buchechudinha e óculos maiores que seu rosto, Olive, sem pestanejar por um segundo, exige que a família atravesse o Estado do Novo México, com destino a Califórnia, para que assim ela pudesse se tornar a próxima Miss Sunshine.

Junte a essa família, o tio gay e suicida, interpretado pelo comediante Steve Carrell (também inspiradíssimo) e coloque todos dentro de uma arcaica Kombi amarela, que precisava ser empurrada por todos os tripulantes a cada nova parada. A viagem é marcada pelos mais diferentes eventos. Primeiro, a morte do avô viciado em sexo e heroína, que imediatamente é enrolado num lençol e colocado no porta-malas do veículo. Segundo, o descontrole emocional do, até então, calado irmão, após saber que era vítima de daltonismo e, assim, não poderia ingressar na força aérea. Finda-se, então, um pacto de sobriedade entre a menina de pouco menos de dez anos e o tio marcado pelas tentativas de suicídio. Cada um agirá de um lado, mas, ainda assim, implantando mais um trauma na própria disfuncionalidade.



A dupla de diretores, Jonathan Dayton e Valerie Faris, veteranos na direção de videoclipes, mostrou que a primeira vez pode ser de fato uma grande surpresa. No caso, muito boa. Plantados sob o roteiro de Michael Ardnt, o trio construiu um Road-movie (gênero de filme tão bem filmado pelos norte-americanos) repleto de falas geniais, humor negro familiar de muito bom gosto e, por fim, uma obra, inesquecível. Isso se deve muito a naturalidade com que a dupla de diretores encarou o roteiro de Ardnt, que tinha tudo pra cair na vala comum. As imposições do ritmo timidamente acelerado, a trilha sonora simples, ajudaram a criar uma obra única no aspecto que vem discutir.

Seja pela questão fílmica ou societária, o filme parece um tremendo coração prestes
a sofrer uma pane. O tio suicida se baseia em Proust, o irmão incomunicável em Nietzsche, a mãe na vida doméstica e atarefada, o pai no dinheiro. No meio disso tudo, a inocência. As chances de Olive ganhar são mínimas e, por isso, seu pai tenta impedir a garotinha de participar do concurso. Estranhamente, é a opinião da garota que prevalece, sempre. Como eu disse, ela se torna centro comum a todos os personagens por um tempo de esquecimento das mazelas da vida.

Abigail Breslin é uma fofura como a jovem Olive. Indicada ao Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante, a jovem atriz se despiu de uma vaidade normalmente infantil e deu a cara a bater na hora de estrelar a jovem sonhadora. Imagine como é pra uma criança ter que subir num palco com uma dezena de barbies, todas magras e maquiadas. Por mais que seja atriz, é coisa que eu só gente grande fazer. Outro estouro é Alan Arkin. Vencedor o Oscar de Ator secundário por dar vida a esse homem nem um pouco meticuloso, que sai no começo do filme, mas é lembrado até o último minuto. Vale lembrar que o elenco todo encontra-se em estado de graça.



Apaludido de pé no Festival de Sundance, Pequena Miss Sunshine tem seu valor para com a sociedade. Não é feito de simples ou absurdas personagens, que tentam por algum motivo se tornarem parte de alguma coisa. O raio sol que há de raiar para nós deve ser comumente desviado aos Homens. E Pequena Miss Sunshine, no fundo, toca nessa ferida: a paixão por vencer, vencer e vencer, sem se preocupar com o lugar ou a vida que estamos pisando. Eu admiro os raios de sol e os divido com todos os seres tão disfuncionais quanto o cara que bebe café, fuma e escreve uma crítica inocente às 07:00 da manhã. Que Deus seja misericordioso, que Saramago seja lembrado, que Olive mereça um retrato na estante da minha memória.

sexta-feira, 23 de março de 2012

O Signo de Deus (Crítica: A Árvore da Vida / 2011)

"Uma vida não questionada não merece ser vivida." (Platão)



A vida é a verdadeira busca pela redenção. Seria esse o significado de nossa existência? Será essa a filosofia da humanidade: encontrar a chance de perdão e entender nossa pequenez diante do universo, passando por processos tão dolorosos e arrasadores? A humanidade é fraca, sempre precisou de atenção e poder para criar um universo paralelo ao mundo real, gritou leis e impôs caminhos que a levasse aos pés de Deus.

Partir do luto para entender os signos de nossa existência é uma tarefa bastante dolorosa, mas que pode levar o indivíduo a uma experiência transcendental e magicamente poderosa. Ninguém passa incólume pela dor. Reza a lenda que quando um singelo passarinho perde um de seus ovos do ninho, ele entra em processo de luto eterno. Um chimpanzé é capaz de chorar dias a fio a perda de sua prole. O caminho, sendo o da graça ou o da natureza, implica em humanidade, implica em lágrimas, em fraqueza, em melancolia anunciada para o resto de nossos dias.

Diante de uma reflexão extremamente filosófica e muito particular, Terrence Malick escreveu e dirigiu A Árvore da Vida (The Tree Of Life, EUA. 2011). Terrence é um desses diretores geniais que, por alguma razão, insiste em ser diretor de poucos filmes. Responsável pela realização de grandes filmes (são cinco no total) como Além da Linha Vermelha (1998), Terrence é muito conhecido por ser um homem de poucas palavras (às vezes taxado de antissocial) e bastante alheio a premiações, como foi o caso do último Festival de Cannes, no qual o diretor foi coroado com o prêmio máximo, justamente por A Árvore da Vida, mas não compareceu para recebê-lo.



Apesar de poucos filmes no currículo, Terrence também é conhecido por uma genialidade fora do normal. Capaz de imprimir uma sensibilidade que toca o espectador como uma pluma, mesmo vagando por um tema tão difícil e subjetivo, Malick construiu um dos melhores, senão o melhor, filme do ano passado. Altamente contemplativo, Árvore da Vida chegou ao espectador como uma das grandes promessas do ano. Muitos contestaram o trabalho do diretor, enquanto outros dobravam seus joelhos perante a figura de Malick. Confesso que sou um desses que teve os joelhos dobrados sem esforço algum. Bastaram trinta minutos de projeção e ali estava eu: plantado em frente à tela.

Reconhecer a ousadia do projeto é o primeiro passo pra nascer uma afinidade entre você e o filme. Não pense você que é um filme fácil, NÃO É. Não é fácil pra quem está assistindo e duvido que tenha sido fácil para todos os envolvidos no trabalho. A primeira questão é sem dúvida o tema, a história que Malick quer contar.



No seio de uma família meramente normal (pai, mãe, três filhos homens), o roteiro vai caminhar na direção de questionar a pequenez do ser humano do mundo, a finitez de nossos problemas e perdas frente aos avanços da natureza e o simbolismo de Deus. Todos esses questionamentos terão como base a morte de um dos filhos do casal e, estas questões, serão levadas a ferro ao espectador, através da angústia do filho mais velho, interpretado por Sean Penn na fase adulta.

Entenda que o filme não produz um discurso falado, a maioria de suas respostas serão encontradas em cenas de pavoroso silêncio (raramente cortadas por susurros) e através de um discurso totalmente imagético. Existe uma passagem na obra, em que, durante cerca de vinte minutos, nos é mostrado cenas de “rotinas naturais”, como quedas d’água, vulcões em atividade, explosões no cosmo, planetas em órbita, dinossauros, a origem da vida, passeios pela matéria, todos eles conduzidos por uma trilha sonora fortíssima ou uma reflexão filosófica carregadíssima de aura melancólica.



O pai da família, interpretado com vigor por Brad Pitt, é símbolo de uma época carregada de princípios morais e um homem que não conseguiu fazer o que realmente sonhava: ser um músico. Na ânsia de ver seus filhos como homens corajosos, fortes no sentido de encarar os problemas da vida adulta, acabou por pecar numa educação autoritária e, por vezes, machista. O filho mais velho é o que contesta as atitudes do pai, embora isso aconteça muito raramente frente a frente. O menino age intimidando os irmãos mais novos, colocando-os em risco de morte, quebrando janelas do vizinho, tentando manter uma postura rebelde, mas não enxerga que quanto mais pratica ações tentando se desprender da figura paterna, mais ele se parece com o genitor. O personagem de Pitt não deve levar toda a culpa nessa história, já que ele é um simples produto de uma sociedade caracterizada por esses moldes tão comuns naquela época.



A mãe (Jessica Chastain, que empresta todo o seu brilho a mais uma personagem em 2011) é a delicadeza em forma humana. Responsável por intermediar a relação entre pai e filhos, acaba sendo a peça mais endeusada do trabalho. Auxiliada pela belíssima fotografia de Emmanuel Lubezki, a mãe está sempre envolta numa luminosidade muito grande, seja quando esta se rende a dor da perda do filho ou quando encara o marido numa de suas raríssimas intervenções ao método educativo do patriarca. A figura de Jessica Chastain é capaz de levitar aos céus, graças a essa prática tão simbolista.

As perguntas direcionadas ao nada são constantes. Os questionamentos do modo de vida e o não merecimento de dádivas de acordo com essa forma de viver também permeiam toda essa narrativa estendida à consolidação de um significado a causa humana. Seríamos nós produtos e como produtos nossa insignificância é maior ainda? Será que alguém olha por nós? Tudo o que é dado e concedido ao homem pode ser tirado a qualquer hora e, mesmo assim, existir uma justificativa?



É trabalho de sensibilidade gritante, não existe meio caminho pro espectador, vá pela filosofia, vá pela lógica dos sentimentos. Nós somos produto desse meio, somos fantoches nas mãos da Natureza, que aqui é tão performática e poderosa quanto Deus. Somos reféns de uma decisão maior. Estamos presos num capítulo selvagem da história do universo, que pode acabar ou não, mas isso não impede as tais reflexões. A essência da vida é a grande filosofia da vida.

Escute o que o Diabo disse: “A perda só será sentida quando a primeira lágrima secar. A cabeça do homem insiste em achar que alguém olhará por ele, que alguém pagará o preço de sua perda. Quem paga é você mesmo. Continue a seguir nesse caminho infinito de redenção, em que você perde... ou perde.”

terça-feira, 13 de março de 2012

Poemas Sombrios (Crítica: As Virgens Suicidas / 1999)

"Essa obrigação de ser feliz, paradoxalmente, nos deixa cada vez mais infelizes."



Se existe uma mulher, pela qual eu preservo profunda admiração, essa é Sofia Coppola. Filha de um diretor e roteirista genial e dona de uma carreira sólida, construída com afinco e uma responsabilidade genuína, Sofia se destaca no cenário como uma das diretoras e roteiristas (herança paterna, sem dúvida) mais talentosas de nossa época. Vencedora do Oscar pelo roteiro de Encontros e Desencontros (2003), Sofia plantou diversas quatro sementes de uma personalidade absurda. Desde Maria Antonieta (2006), com aquela trilha sonora ávida e aquele charme tão característico de sua direção de arte, até seu trabalho mais festejado, o já citado Encontros e Desencontros, faz da diretora uma das mais encantadoras cineastas do momento.

Sofia Coppola possui apenas quatro filmes em sua carreira, o primeiro de 1999, que se trata de As Virgens Suicidas (The Virgin Suicides, EUA. 1999) e o último, o subestimado Um Lugar Qualquer, de 2010. Isso me lembra bastante Stephen Daldry, não pela qualidade de seus trabalhos, que são bem distintos, mas pela carreira tímida e ao mesmo tempo tão sólida e festejada. Após uma ponta em O Poderoso Chefão 3, filme do pai, Francis Ford Coppola, Sofia resolveu investir na carreira de diretora e roteirista, mostrando um talento único como roteirista também. Episódio, que eu como grande admirador de seu trabalho, comemoro muito.



As Virgens Suicidas, que foi produzido pelo pai e teve roteiro adaptado do livro de Jeffrey Eugenides, trouxe Sofia para o estrelato. No primeiro trabalho, a diretora se mostrou tão segura e inovadora a ponto de desenvolver desconfianças quanto a originalidade do projeto e até mesmo de seu comando. O filme tem seus erros característicos de uma diretora estreante. Mas, quem sou eu para dizer que Sofia Coppola está errada? E é isso que tanto me encanta na filmografia de Sofia: a capacidade de perturbar o espectador sem a perder a sensibilidade e a calmaria do mundo de uma cineasta mulher. Poucos diretores homens possuem essa válvula tão apreciada por nós cinéfilos. Sofia não cria um universo a partir de conceitos mundanos, ela cria conceitos a partir de um universo muito próprio e valente.

O primeiro trabalho de Sofia é quente sem queimar, lascivo sem proclamar, assustador sem assustar. Escolher dar vida a cinco adolescentes suicidas não é um primeiro trabalho fácil. Exige do diretor uma sobriedade e um controle emocional muito grande, principalmente pela forma como o roteiro foi escrito. Nãos se criam vilões, não se criam heróis, apenas uma história extremamente perturbadora, uma mão que entra pela boca e revira seu estômago, um choque previsto. O desenho magistrado pela profissional grita aos nossos olhos por clemência e nós, como já sugere o título do filme, entregamos a decisão a essas garotas suicidas.



O filme começa com uma tentativa frustrada de suicídio da caçula de cinco lindas irmãs, filhas de um pai doce (James Woods) e controlado pela fé de sua mulher (Kathleen Turner), católica fervorosa. Não sabemos o que leva a irmã mais nova a tentar o suicídio, até que Sofia começa a desvendar as personagens de sua obra. Os pais agem como sombras dessas adolescentes, controlam o que elas ouvem, o que elas leem e o que elas assistem. Como eu disse, eles não são pintados como vilões nem as meninas são tidas como heroínas. Para contar a história dessa família, Sofia usa um grupo de meninos que tentaram desvendar quem eram aquelas lindas meninas e a causa do suicídio.

As meninas da família Lisbon são objeto de desejo de todos esses meninos, apesar de não serem as líderes de torcida do colégio, elas são as mais populares, justamente por ninguém saber quem são as garotas Lisbon. O que se passa na cabeça dessas meninas? Paralelo ao que elas poderiam ter e não tem, por que elas causam tanto encanto, tantas perguntas, tantos olhares intrigados e admiradores?



Após a tentativa de suicídio da irmã mais nova, os pais, num acesso de proteção e prevenção, resolvem integrá-las a comunidade. No meio de uma festa, dada sob a vigilância dos patriarcas da família Lisbon, Cecilia, a menina mais nova, obtém sucesso em sua segunda tentativa de suicídio.

A partir daqui, Sofia cria uma rede totalmente presa a detalhes mínimos da vida dessas garotas. O filme, apesar de totalmente inteligível, exige do espectador uma atenção e uma sensibilidade disforme quanto aos passos de suas personagens. O trabalho dos pais frente a evolução do descontrole aparente da situação, a fuga imaginária das meninas em direção ao trágico final, a admiração plena e sofrida dos meninos da rua. Tudo isso explicará uma tragédia já anunciada. É como se as garotas Lisbon fossem apenas um ser humano e por este ser humano se multiplicasse as tragédias pessoais. Encostar na mente das meninas suicidas é um trabalho árduo, em que o espectador pode ficar totalmente aturdido ou incrivelmente pacífico.

A proposta de desnudar esses dogmas culturais que empacam a vida dessas garotas, deixa o espectador plantado numa voracidade fiel aos sentimentos compartilhados ou combatidos pelas personagens. O mal não se entrega, não traz o óbvio. O maléfico é o todo, o vilanismo que não mostra as caras, pode ser encontrado na televisão virada ao contrário, na religião representada por um símbolo no pescoço da mãe Lisbon, na infantilidade presente no amadorismo de suas personagens principais ou, até mesmo, na suposta trilha da precocidade aflorada. Lembre-se, meu caro, a menina mais nova é a primeira a tirar a própria vida, é a primeira a contestar seu quadrado e reproduzir seus sentimentos nas outras irmãs.



Kirsten Dunst que faz o papel da Lisbon que promove uma luta entre seus desejos e a obediência, tem de longe, a personagem que mais se destaca. O jogo que ela faz consigo mesma é tão contraditório quanto a solução ou a tentativa de solucionar que os pais não buscam. Sair de biquíni a rua e tomar sol no jardim, somente aos olhos dos pais. Sair com o cara mais paquerado da escola, somente com a concordância dos pais. Mas o que ela faz entre quatro paredes, o que ela implica com sua explosão de expressões, isso seus pais não devem sequer sonhar.

O universo criado por Sofia Coppola faz jus a história. A fotografia “amanhecida” sempre presente nos trabalhos de Coppola, a direção de arte incumbida de trazer a serenidade frágil de suas personagens. Tudo implode numa rede de fornecer melancolia a um universo melancólico por si só. Constrói-se um mundo de calmaria disfarçada, de pacificidade polida, mas que consegue te perturbar e derrubá-lo como um furação.



O isolamento presente como princípio básico da união e bom convívio dessa família, vai corroendo as entranhas e o oxigênio dessas garotas. Que numa cena espetacular, de brilhoso talento de Sofia Coppola, deixam a vida por um bem, desejavalmente, maior.

segunda-feira, 5 de março de 2012

O Mundo da Barbie ( Crítica: Jovens Adultos / 2011)

Muitos são orgulhosos por causa daquilo que sabem; face ao que não sabem, são arrogantes.



Alguém aí já parou pra pensar como seria o mundo da Barbie? Barbie, aquela boneca famosa, sonho de consumo de toda menina suficientemente tomada pela futilidade dos alvos anos da infância, querida por sucessivas gerações de garotas ricas, loiras, às vezes, morenas, fascinadas por cabelo e maquiagem. O novo filme do diretor Jason Reitman (Amor sem Escalas), Jovens Adultos (Young Adults, Eua. 2011), me fez pensar como seria a vida de Barbie, a bela menina com um toque de vida de interior, mas com sonhos grandes demais para o seu mundo real.

Barbie seria a menina mais popular, a mais bela, a “cheerleader”, arrasando corações pelos corredores coloridos de uma escola pública do interior de Minnesota. Teria o namorado mais bonito, seria amiga das garotas mais legais. Mesmo tendo uma vida que toda garota pediu a Deus, Barbie não se contentaria com a vida mórbida que sua cidade lhe proporcionaria. Aí viriam as grandes mudanças. Barbie precisava ser conhecida pelo mundo inteiro.



A segunda parceria entre Reitman e a roteirista Diablo Cody, vencedora do Oscar pelo roteiro de Juno (também dirigido por Reitman), já era uma coisa esperada. Indiscutivelmente, parece que um nasceu para o outro. Reitman tem uma mão muito leve e uma sensibilidade muito característica que transborda a tela do cinema. Diablo Cody fica com a função de garota rebelde da história: sarcástica, irônica e poderosa. Seria ela a Barbie do mal, que junto com Reitman consegue transformar a protagonista de Jovens Adultos numa belíssima teoria para a vida da mulher Barbie.

Mavis Gary (Charlize Theron, linda como sempre) é a típica menina que nasceu no interior e, por força de uma arrogância tipicamente adolescente, casou-se e resolveu tentar a vida na cidade grande. Por hora, o caminho de Mavis parece ter dado certo: dona de seu próprio nariz, possui toda a autonomia de sua vida amorosa, preferindo noites rápidas com rapazes recém-conhecidos e, ainda, tem certo sucesso profissional. Gary é escritora de uma série destinada a jovens adultos. Gary é a futilidade em pessoa e a vida lhe permite isso, suas histórias baseiam-se numa protagonista que remete muito a Bella de Crepúsculo, insossa, nariz empinado e infantilóide. Kendal, protagonista da série, tem inspiração nas irmãs Kardashians.



Por mais que Mavis pareça ter finalmente dado certo na vida, ela ainda detém de um casamento falido, uma vida solitária e uma série literária a qual não recebe devidamente os créditos por escrevê-la. Certo dia, a mulher recebe um e-mail com a foto de um bebê. O bebê é filho de seu antigo namorado da época do colégio, Buddy Slade (Patrick Wilson, o mesmo personagem a vida inteira, o Ken), agora casado com outra mulher. Mavis decide voltar a cidade-natal para recuperar o antigo namorado e levá-lo com ela para a cidade grande. A mulher faz desse seu objetivo essencial para continuar a viver, seria a falta dele o fator responsável pela sua vida incompleta.

O roteiro, muito bem escrito, não permite que o espectador bata de frente com Mavis, nos tornamos aliados dela, mesmo sabendo que tudo vai dar errado, e é aqui que cabe a genialidade da roteirista. A cruzada feita por Mavis atrás de seu objetivo causa ao espectador uma vergonha alheia de explodir os tímpanos. É constrangimento a flor da pele. Seja pelo aparente problema de alcoolismo da personagem ou pelas investidas pouco convencionais no antigo namorado.



Quem aparece para segurar as pontas da protagonista é Matt Freehauf (o ótimo Patt Oswalt). Matt conhece Mavis dos tempos do colégio, a mulher, ao contrário, não se lembra do sujeito. Porém, cria-se uma cumplicidade muito grande entre os personagens, que aparentemente são como água e petróleo. Não existe encaixe entre dois tipos tão disfuncionais na sociedade. Mais uma vez, o trabalho da roteirista permite que as personagens coexistam na mesma ideia do certo e errado, da arrogância e da humildade, da pena e do reconhecimento. Sem clichês, Matt não vem pra ensinar nada a Mavis, que é muita imatura ou inconsequente para entender ou apreciar algo que vá além de sucesso e dinheiro, o ensinamento acaba vindo a nós, como se fosse um alerta. Mantenha seus passos leves e terá tudo o que desejar.

A pena que Mavis rapidamente associou aos moradores de sua antiga cidade se volta contra ela, se expande pelos poros da mulher e a derruba aos olhos de quem ela achava que a admirava. Era tudo pena? Achava que todos queriam ser como eu. E aqui se esconde o pecado mortal de Mavis: achar que o mundo de Mercury (a cidade-natal) se ajoelharia a seus pés.



Charlize Theron faz um trabalho único em frente às câmeras de Reitman. Se o papel fosse dado a uma atriz que não tivesse sua beleza e seu talento, provavelmente o público a rejeitaria e a sensação primordial que o filme provoca no espectador seria nula. Elegante, dona de um presença artística incomparável, o trabalho de Charlize poderia estar entre as grandes atuações do último ano. Um belo presente aos fãs da atriz.

Concluindo a resenha, voltamos a ideia da Barbie. Eu imagino perfeitamente a Barbie como uma alcoolatra, derrotada em quesitos sentimentais, forçada a andar para frente pelo peso de sua popularidade no colegial, só não vejo a Barbie voltando atrás, não enxergo coragem e visão na boneca, só é nítido uma intocabilidade absurda. Por isso, Jovens Adultos não é a história de uma Barbie, e sim, de uma Suzy que tentou a vida toda se tonar uma Barbie.