terça-feira, 20 de setembro de 2011
Politicamente Incorreto (Crítica: Kick Ass - Quebrando Tudo / 2010)
Nunca fui fissurado por histórias em quadrinhos, pra falar a verdade, só tive contato com o mundo inventado por Mauricio de Sousa. Homem-Aranha, Superman, Batman, Watchmen e qualquer outro exemplar de HQ ou de super-herói só entraram na minha vida depois que migraram para o Cinema. Mesmo assim, nunca fui muito fã desse tipo de filme, mas reconheço algumas obras-primas que foram feitas para as telas de cinema, como é o caso do último Batman de Christopher Nolan e, de tempos mais antigos, talvez pelo Coringa de Jack Nicholson, o Batman de Tim Burton.
A questão é: cinema nesses moldes se configura por ser puro entretenimento, às vezes, muito fantasioso. Não tenho nada contra fantasia, muito pelo contrário, mas, me incomoda a inter-relação estabelecida entre o mundo real e o mundo fabuloso nesse tipo de roteiro. O Batman de Nolan é um caso a parte, se existe fantasia eu não percebi, vejo a colocação da figura do super-herói magnífica, como também o papel do vilão, que assume um papel de condutor do mal sem deixar de ser real, é o mal representado na loucura, na insanidade e na perversidade. Não existem poderes astronômicos, o poder nesse caso é o dinheiro, é ele quem move e quem corrompe os atores sociais.
Porém, estou falando de Batman, de Nolan, de corrompimento, mas o assunto (ou melhor, o filme) que eu venho tratar não tem nada a ver com a elevação da figura do herói nem quer assumir um papel de denunciador social. Esse sim é puro entretenimento, e o mais estranho: agrada-me.
Kick-Ass – Quebrando Tudo (Kick-Ass, EUA. 2010) segue por um caminho totalmente inverso dos outros exemplares de super-heróis. Não haverá compromisso com a moral (nenhum) nem com o estabelecimento de uma lição de vida. O filme não foi feito para mostrar que existe um menino pensando no bem maior e, por isso, quer defender a sociedade. O super-herói desse filme age por interesses próprios (a aceitação dos amigos, a conquista da menina linda, a conquista da própria honra).
O roteiro do diretor Matthew Vaughn (conhecido por parcerias com o diretor inglês Guy Ritchie) é baseado na comic book escrita por Mark Millar e John Romita Jr, que conta a história de um nerd cansado de sofrer pela aparência frágil (por isso, foi assaltado inúmeras vezes) e do insucesso com garotas e que, por isso, resolve se tornar um super-herói em defesa de seus próprios princípios básicos. Princípios que nem sempre irão de acordo com a moral coletiva.
Dave (Aaron Johnson) é um típico nerd, viciado em quadrinhos, pornografia e sem nenhuma aptidão física. É alvo de chacota na escola, reprimido nas ruas e que está cansado da sua rotina. Como um bom leitor de todos os tipos de HQ’s, Dave começa a se perguntar por qual motivo não existe um super-herói no mundo real, como que alguém não podia ter tido a ideia de colocar uma máscara e sair pelas ruas defendendo a população. Decidido a ser esse alguém, e acometido pela fervura de sua jovialidade, Dave compra uma fantasia, assume o codinome de Kick-Ass e vai as ruas na intenção de combater o crime.
Cá entre nós, o seu passo poderia se concluir numa parceria com as meninas superpoderosas, a prova disso é que, a todo o momento, Dave será salvo por outras pessoas. Ele não tem diferencial nenhum, mais humano impossível.
O que veremos a partir daqui é uma deliciosa aventura de um cara, padrão da sociedade atual, ou seja, símbolo da juventude que cresce nos dias de hoje, se metendo nas maiores confusões e peripécias na busca de ser reconhecido, de ser um super-herói de peso. O filme se mostra muito atual na construção desse nerd, desde o instante em que o protagonista usa das redes sociais para se auto-afirmar e, assim, se fazer conhecido, até o próprio codinome do herói, que, ao pé da letra, pode ser entendido como fodão.
Bom, se o filme fosse apenas isso seria muito cansativo, talvez repetitivo, precisava-se de uma subtrama (que ao meu ver se tornou a trama principal) para não cair na armadilha de sempre: a boa e velha moral da história. A história do Big Daddy e de sua filha Hit Girl já consta na HQ, mas pelo que eu li e pesquisei, pode-se afirmar que o grau de importância do Kick-Ass, do Big Daddy e da Hit Girl são os mesmos. No filme não. É clara a separação das personagens até metade do filme, quando por mérito de uma menina de 12 anos, a reviravolta é clara e sublime.
Big Daddy (Nicolas Cage, que chega a mostrar lapsos do grande ator que foi) e Hit Girl (Chloe Moretz, fantástica) entram na trama para formar um trio ao lado de Kick-Ass, o que não se sabe é que o pai da menina tem sede de vingança com o mafioso Frank D’Amico. Quando Kick-Ass menos espera, ele se vê envolvido até o pescoço nessa rede de vingança. E aqui finalmente o filme ganha suas melhores características.
O diretor Matthew Vaughn sofreu para conseguir rodar esse filme, foi alvo da censura hollywoodiana e não conseguiu patrocínio para o filme, teve que contar com a ajuda de amigos, do calibre de Brad Pitt, para, enfim, conseguir rodar seu projeto. O conservadorismo da indústria hollywoodiana não permitiria um filme com tantas cenas de violência explícita, em que uma criança mata oito homens numa sala, apenas com uma espada na mão e nem que, essa mesma criança, falasse centenas de palavrões obscenos. A hipocrisia não permite. Isso já é sabido por todos. Existem cenas realmente muito fortes, atenha-se ao fato de que é a criança que vai levar a vingança do pai até o final. O filme é uma verdadeira saga politicamente incorreta.
O filme lembra muito Kill Bill às vezes, seja pela trilha sonora, pontuada por músicas clássicas, ou pela própria Hit Girl que parece mais uma reencarnação da Noiva de Tarantino. A menina Chloe está enérgica e explosiva como a criança que abdicou de toda uma infância para entrar nos jogos perversos do pai. A garota já é uma grande aposta do cinema. Recentemente, participou da refilmagem do mediano Deixe Ela Entrar (2007), filme sueco que fez bastante sucesso nas terras nórdicas e, ainda, está envolvida no mais novo projeto do excelente Martin Scorsese. Ela tem futuro, e provavelmente veio para ficar. Dakota Fanning e Saoirse Ronan, que são as grandes estrelas dessa nova geração, ganham mais uma concorrente. A Hit Girl de Chloe entra definitivamente para o hall das grandes personagens dessa nova década. É um achado e tanto.
Se você procurar por indícios de moralidade dentro de Kick-Ass você encontrará: você pode fazer uma crítica sobre a comodidade do ser humando em contraste com a busca utópica de Dave, você pode incitar uma crítica às decisões que se sobrepõem ao pensamento coletivo. Enfim, você pode criar diversas teorias a partir da obra de Vaughn, mas não é isso que ele quer, claramente não. A ideia do diretor é divertir, entreter, marcar o espectador de alguma forma mais leve (mesmo com todas as frequentes cenas de sangue jorrando), e nada disso impede que o telespectador assista ao filme e recorde dos momentos da Hit Girl com um sorrisinho enviesado no canto da boca.
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Genial.
ResponderExcluirGostei muito guzinho.