sexta-feira, 7 de outubro de 2011

Encontros e Despedidas (Crítica: Apenas Uma Vez / 2007)

“Pegue este barco afundando e guie-o para casa
Nós ainda temos tempo
Eleve sua voz esperançosa, você tem uma escolha
Faça-a agora”



É difícil saber quem é a pessoa certa, quem levaremos até o fim, quem, de fato, deixa marcas.

Os primeiros encontros são tomados pela timidez (ainda acho que os últimos também serão), mas inquestionavelmente debateremos o papel de tal indivíduo nas nossas vidas. Eu mesmo, já achei que levaria pessoas para o resto da vida e hoje não tenho contato com quase nenhuma delas. Não sei se existe receita, se existe certo ou errado, acho que o que conta é o quanto você se doa naquilo e não o outro. Pela primeira vez na vida, é você quem delimita as fronteiras do seu ser e tem o poder de fazer valer à pena.

Como eu já disse, não creio que existam fórmulas prontas e que possam ser colocadas em prática por nós. Ok. Podem até existir dicas, manejos, mas não existem fórmulas. Um encontro é a hora de vender seu peixe: você é modelo, manequim e vendedor. Esse é o tipo de encontro mais besta que pode existir, acredito muito mais no acaso; encontros estão escritos e deles não há escapatória. É só o destino agindo.

Na obra Apenas Uma Vez (Once. Irlanda, 2006) a grande busca se concentra no encontro de duas pessoas, na interdependência criada entre elas, do que motiva esse encontro e, o mais incrível, como finda uma história que nunca começou.



Apenas Uma Vez foi rodado com apenas 150 mil dólares, em pouco mais de 15 dias. O filme foi todo rodado por câmeras digitais de mão, e teve uma impressionante colaboração musical (o trunfo maior da obra). Na verdade, o filme é mais uma celebração a música folk, do que qualquer outra coisa. Porém, tinha que ter uma história por trás das músicas, a história é simples, mas cabe como uma luva em cada belíssima canção apresentada ao longo da película.

John Carney, diretor do filme, tem um extenso currículo musical: foi guitarrista durante um longo tempo da banda irlandesa The Frames e mais uma infinidade de trabalhos no ramo musical. Para rodar seu filme, Carney juntou-se a Glen Hansard (vocalista da banda The Frames e protagonista da trama). Essa parceria rendeu o roteiro e mais dez canções feitas especialmente para o filme. Mais tarde, entrou para o projeto a musicista tcheca Marketa Irglova, dona de uma voz poderosa e de um talento inquestionável. Para ela, ficou o papel da protagonista mulher. Vale lembrar, que Marketa também colaborou com músicas compostas por ela.

Como eu disse, o roteiro é simples, não impressiona, longe disso. O longa conta a história de um rapaz (Glen Hansard), – os personagens não possuem nomes, entendo isso como uma tática de universalização do tipo, é mostrar que é uma história comum, que pode acontecer com qualquer um – que vive em Dublin, capital irlandesa e da relação que ele estabelecerá com uma imigrante tcheca (Marketa Irglova) que ele conhecerá através do poder da música dentro dos dois. O rapaz trabalha junto com o pai numa loja de aspiradores de pó e, como uma forma de tirar um trocado a mais, toca violão pelas ruas de Dublin. Num desses “shows”, uma garota arrastando um aspirador de pó para e aprecia o rapaz tocar e cantar suas composições. A garota é uma imigrante tcheca, que trabalha vendendo flores no centro de Dublin e faz faxinas para auxiliar no orçamento. A jovem cuida da mãe e da filha no subúrbio da capital irlandesa.

A música é a principal ponte que liga o balzaquiano a jovem tcheca. Aos poucos, a imigrante passa a mostrar seus talentos musicais, como uma mão sublime para piano, e uma voz impossível de se reproduzir fielmente. Isso não passa de um encontro. É emocionante ver a excitação dos dois frente a esse encontro, a essa possibilidade de realização daqueles sonhos a tanto tempo esquecidos e engavetados.



Os dois passam a se ajudar, a compor juntos, um faz a melodia, a outra escreve a letra. E, assim, constrói-se um sentimento entre os músicos. A consumação do sentimento é totalmente inviabilizada devido a uma série de marcas e cicatrizes deixadas por outras pessoas. O homem enxerga a maravilha que é a tcheca, mas não consegue esquecer a mulher que deixou em Londres. Ela enxerga o encontro que é o seu achado, mas não esquece o pai de sua filha, que tanto odiava suas composições.

Percebeu que a gente sempre caminha olhando para trás?

Sempre pegamos o caminho oposto.

Não tendo optado ou encontrado brecha para o início de um relacionamento amoroso. O irlandês resolve ir até Londres atrás da amada, mas antes, resolve gravar um CD de recordação. Aqui se inicia a parceria musical profissional entre os dois protagonistas da trama.

E o amor realmente não é consumado. Em meio às músicas, o casal vai tomando seu rumo, cada vez mais apaixonados, mas crentes de que aquilo não deve existir, já que ainda existem histórias mal-resolvidas. Talvez, uma segunda parte da história mostrasse a superação do passado. Aqui isso não acontece, o belo final corta e arrebenta nosso coração.



Não sou crítico musical e sei que tenho pouquíssima qualidade para isso. Mas, gostaria de ressaltar algumas das belas canções presentes na obra irlandesa, como é o caso da oscarizada Falling Slowly, composta pelos dois atores-cantores. A bela música foi aclamada pelos festivais independentes até, finalmente, o Oscar se render ao trabalho emocionante desse filme. É essa música que, também, representa toda a visão do homem em relação à garota tcheca. The Hill, cantada por Marketa Irglova, também é uma impressionante música da obra, toda baseada no piano e por uma voz incrivelmente doce como a de Marketa. Destaque também para Gold, cantada em meio a um jantar cheio de violões e violinos e que lembra um pouco o country norte-americano, mas que é muito mais influência do folk irlandês. A parceria entre Marketa e Glen ainda gerou um projeto muito bonito: o The Swell Season, um grupo musical, de músicas de excelente qualidade e que, inclusive, já esteve no Brasil.

Apenas Uma Vez é um encontro. Um colete salva-vidas na vida de cada um desses atores sociais. Longe de qualquer tipo de definição ou rotulação, Once deve ser visto principalmente pelos amantes da música folk e de um cinema que não é revolucionário, mas de muito bom gosto.

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