Não há drogas, nem Tom num traje, nem psiquiatras.
Os astros de Hollywood pagam um preço pra se manter visível aos projetos e iniciativas do Cinema, às vezes alto, outras vezes nem tanto. Geralmente, astros em decadência já possuem seu Oscar e sua grande atuação, então, são acometidos pela chamada “Maldição do Oscar”. Halle Berry é um exemplo fortíssimo do que eu quero dizer, após vencer o Oscar de 2002 (que nem foi tão merecido assim), a atriz nunca mais conseguiu se incluir num projeto com visibilidade, ou que lhe trouxesse alguns elogios da crítica especializada. Quem estava na mesma situação até alguns meses atrás era a talentosíssima e subestimada Nicole Kidman, que após ser premiada pela Academia, em 2003, a atriz só conseguiu sair da chamada maldição oito anos depois.
Por ser uma atriz pela qual tenho grande afeição, eu consegui acompanhar essa fase bastante conturbada na carreira de Kidman. A crítica não estava sendo rude, realmente, a atriz tinha dificuldades para se encontrar e estava se saindo medíocre em quase todos os seus papéis. Junto a isso, veio o problema do botox, que ainda persiste. Nicole exagerou na aplicação do produto na região dos olhos e da boca e perdeu quase toda a expressividade, que, sem dúvida, contribuíram para eclipsar sua imagem e carreira.
Ao contrário do que todo mundo pensa, Nicole não é australiana. Apesar de ter sido criada na Austrália, Kidman é norte-americana, nascida no Havaí, em 1967. Seus pais, sim, eram australianos. Aos três anos de idade, Nicole se muda para a Austrália e lá vai viver até começar a investir na carreira de atriz e se mudar novamente para os EUA, no fim da década de 1980.
Aos dez anos, Nicole já mostrava querer seguir a carreira de atriz. Após participar de algumas peças escolares, a jovem atriz começou a participar profissionalmente de algumas peças com mais visibilidade na Austrália. Com quinze anos, Kidman já participava de uma série de televisão. Não demorou muito e a jovem estrela já estava sendo requisitada no Cinema. Dona de uma beleza clássica e estonteante, que era somada com seu enorme talento, a atriz começou a se tornar popular dentro da indústria cinematográfica australiana. Não demoraria muito e Kidman estaria voando de volta para os EUA. O marco inicial de sua carreira mundial veio com dois prêmios de Melhor Atriz do Australian Film Institute, conquistados aos dezenove anos. Foi quando surgiu o convite para estrelar o filme Terror a Bordo (1989), no qual seria esposa do personagem de Sam Neil. A atriz foi aplaudida de pé e recebida de braços abertos pelo público norte-americano.
Morando em Hollywood já, surgiu o segundo trabalho de Kidman: Dias de Trovão (1990), foi nas filmagens dessa obra que Nicole conheceu o galã Tom Cruise, que viria a ser seu marido durante onze anos e que renderia algumas parcerias bastante festejadas dentro da indústria. Nicole Kidman vai até o final dos anos 1990 levando uma característica bastante diferente da atual, durante toda essa década, a atriz vai apostar na sua beleza e fazer filmes de todos os tipos, principalmente os mais comerciais, como Um Sonho Distante (1992) e Batman Eternamente (1995). Kidman vivia à sombra do marido Tom Cruise, o que não impediu que ela começasse a batalhar pela sua carreira. E seu principal papel dessa época, surge exatamente das vésperas do fim de seu casamento. O filme é De Olhos Bem Fechados (1999), no qual contracenou com Cruise (de longe, a melhor parceria). A última obra de Stanley Kubrick, drama psico-sexual, veio para trazer Nicole Kidman para o hall das grandes atrizes.
Do relacionamento com Tom Cruise, Nicole Kidman trouxe, além dos dois filhos, adotados ainda na década de 1990, a alcunha de mulher poderosa. Sim, a atriz que estava fadada a viver na sombra do ex-marido, conseguiu dar a volta por cima e mostrar que poderia montar uma carreira baseada não só na sua beleza, mas também no seu talento nato. E é justamente ao término do casamento, que se inicia a Belle Époque da atriz. A Época de ouro de Nicole Kidman tem cerca de três anos, um prazo curto, mas recheado das mais diferentes entregas que a triz pôde dar, desde uma incrível tradução de Vírginia Woolf até uma atormentada personagem de Lars Von Trier.
O reconhecimento mundial se iniciou em 2001, quando Kidman lança o suspense Os Outros, a primeira indicação ao Oscar viria no mesmo ano. Numa parceria inimaginável e surpreendente entre Nicole Kidman e Baz Luhrmann (diretor do longa), veio o musical Moulin Rouge - Amor em Vermelho (2001). A obra que faz uma releitura luxuosa dos anos de ouro da França, traz Kidman como Satine, dançarina e garota de programa da requisitada casa de shows e prostituição Moulin Rouge. A atriz acabou perdendo o Oscar para Halle Berry, que venceu pela histérica personagem de A Última Ceia (2001).
Alguns fãs fervorosos costumam dizer que Satine é o papel da carreira de Nicole Kidman, eu discordo. Mesmo entendendo a profundidade de Sabine e a importância da personagem na carreira da atriz, não consigo ver nada mais surpreendente do que a caracterização de Vírgina Woolf, pela atriz no filme de Stephen Daldry, As Horas (2002). Nicole está irreconhecível, tanto fisicamente quanto artisticamente, a densidade exigida para o papel até então nunca tinha sido vista quando se tratava de Nicole Kidman. É assustador, arrepiante e arrebatador o que a atriz consegue fazer em poucas cenas, em pensar que ela divide a posição de protagonista da trama com Meryl Streep e Julianne Moore. Pelo papel de As Horas, Nicole Kidman foi agraciada com uma estatueta do Oscar.
Ainda dentro da época de ouro da atriz, surgiram mais alguns importantes papéis, como a sofrida Grace de Dogville (2003) e a corajosa Ada de Cold Mountain (2003). E pode-se dizer que é em Cold Mountain que Nicole começará a descida transloucada de sua carreira. É o último papel em que a atriz vai mostrar sinais daquela época tão festejada pela crítica e pelos fãs. Em 2004, Nicole Kidman lança Mulheres Perfeitas e Reencarnação, produções mal-sucedidas dentro da indústria, mas que até então não tinham prejudicado tanto a solidez de sua carreira. Em 2005, se junta a Sean Penn e roda A Intérprete, que também passa despercebido pelo público. Daí, vem a lama que vai cobrir sua carreira durante cinco anos, e ela se chama A Feiticeira (2005). Nicole estava extasiada com seu Oscar e praticamente não recusava nenhum dos convites feitos para integrar qualquer elenco que fosse. Seu pior erro foi fazer A Feiticeira. Já sentindo todo o peso de não conseguir mais se destacar depois do Oscar, Nicole acreditou que seria uma aposta boa para atrair o olhar do grande público para o seu trabalho. O efeito foi totalmente o contrário, Nicole chafurdou na lama e foi crucificada pela crítica. Foi nesse momento, que surgiu a história da “Maldição do Oscar”. Segundo a crítica, Nicole estava fadada a continuar decepcionando em qualquer um de seus trabalhos e As Horas e Moulin Rouge tinham sido meras exceções de seu trabalho.
Determinada a mudar a visão que acabou criando para si, Nicole começou a apostar em todos os tipos de trabalho, quando devia sentar e analisar cada um deles. Aí veio uma série de erros, como A Pele (2006), cinebiografia da fotógrafa Diane Arbus; Invasores (2007), suspense alienígina de baixíssima qualidade; A Bússola de Ouro (2007), fantasia fracassada, Austrália (2008), considerado a pior atuação da carreira da atriz, o que foi um baque, já que Kidman acreditou que uma nova parceria com Luhrmann pudesse trazer os bons tempos de Sabine de volta e que o filme se tornaria uma homenagem para o país que ela tanto amava; e Nine (2009), do diretor de Chicago (2002), que também passou como um fantasma pelos palcos da indústria. Nicole tentou em todos os campos, foi da comédia aos musicais, do drama aos romances, nada estava surtindo efeito. O único filme que recebeu alguns elogios da crítica foi o pouco conhecido Margot e o Casamento (2007), mas que, mesmo assim, não trouxeram tantas alegrias para o dia a dia da atriz. No mesmo ano ainda, chegou a recusar o papel que rendeu o Oscar para Kate Winslet em O Leitor (2008), quando iria novamente ter a oportunidade de trabalhar com Stephen Daldry.
Durante uma época, Nicole beirou a depressão, foi aí que iniciou as constantes e exageradas aplicações de botox, nessa altura já casada com o cantor country Keith Urban. Kidman chegou a anunciar que ia desistir da carreira em função dos fracassos que se seguiam.
Parece que algumas coisas acontecem por ação divina ou sabe lá o quê. Mas, acredito realmente que alguns papéis foram perfeitos para alguns atores, como é o caso da bailarina Nina de Natalie Portman em Cisne Negro (2010), não tem como imaginar outro ator fazendo. A chance de Nicole Kidman veio com o convite do diretor John Cameron Mitchell, para interpretar uma mãe que acaba de perder o filho num acidente e tenta restabelecer sua vida. O drama que recebeu o nome de Reencontrando a Felicidade (2010), que felicidade não tem nenhuma, rendeu para Nicole Kidman uma nova respirada dentro do mundo do cinema. A atriz foi reconhecida com uma indicação merecidíssima ao Oscar e só perdeu porque concorria com a mesma bailarina citada algumas linhas acima. O papel denso traz Kidman à velha forma, mesmo com o rosto um pouco deformado pelas plásticas, ainda é possível se emocionar com o trabalho da atriz, desde de a entrega corporal, de sofrimento à flor da pele, de castigo e luta interna ao simples desfile gracioso de sua aura diante das câmeras.
Nicole Kidman voltou porque tem o que doar, tem o que mostrar, só precisa estar no papel certo regido pelo cara certo. Um brinde a beleza e ao talento da grande Nicole Kidman.
FILMOGRAFIA OBRIGATÓRIA
Terror a Bordo (1989)
Um Sonho sem Limite (1995)
De Olhos Bem Fechados (1999)
Os Outros (2001)
Moulin Rouge - Amor em Vermelho (2001)
As Horas (2002)
Dogville (2003)
Cold Mountain (2003)
Margot e o Casamento (2007)
Reencontrando a Felicidade (2010)
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