sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

Acostamento (Crítica: Direito de Amar / 2009)

"Ela simplesmente veio"



O que é preciso para se fazer Cinema? Um bocado de dinheiro junto a uma dose mínima de talento, seja ele em qualquer ramo da produção, e a colaboração de bons atores? Diga-se de passagem, um bom bocado de dinheiro. Foi assim que o estreante Tom Ford fez seu primeiro trabalho para o Cinema. Estilista respeitado por reerguer a Gucci, uma das marcas mais famosas do planeta, Ford decidiu navegar por novos mares, sim, o da grande tela. Deve ser pontuado que em seu primeiro trabalho, mesmo que recheado de uma visível inexperiência, o Sr. Ford não faz feio.

Porém, destaca-se em Direito de Amar (A Single Man. EUA, 2009) uma linha que não vai muito longe do que o diretor/estilista está acostumado a fazer. O que se prima nessa obra, apesar de trazer grandíssimas atuações e um roteiro até bem embasado, é a direção de arte. A história se passa em Los Angeles, que deveria ser ensolarada, enraizada de cores e vida, mas toda essa vibração parece ter sido sugada pela pele e os olhos de seus personagens depressivos, que desfilam em roupas sob medida e óculos que mascaram qualquer tipo de sentimento.



Ford escolheu adaptar para o Cinema a obra do britânico Christopher Isherwood, datada de 1964. O livro, na época, causou muita polêmica por contar a história de um dia do professor universitário homossexual, que perdeu seu companheiro de dezesseis anos. Não entendo por que o título não poderia ser “Um Homem Só”, preferiram ludibriar o espectador com um título que não mostra e muito menos prova alguma coisa. Porém, isso é normal e sempre devemos estar preparados para um título deprimente. Enfim, ainda acho que o título é e deveria ser a menina dos olhos de qualquer filme.



Bom, durante a projeção, acompanharemos um dia da vida do agora solitário George Falcones (interpretado pelo gentleman Colin Firth), como eu já disse, um professor universitário e homossexual, que luta todo os dias com a dor da perda de seu companheiro, interpretado pelo simpático Matthew Goode. Porém, assistiremos exatamente o dia que George decide pelo suicídio como forma de calar sua dor. Ainda teremos na película a companhia de coadjuvantes de luxo, como a única amiga de George, a também solitária Charley (a magnífica Julianne Moore), mas que apesar da solidão busca companhia no luxo e no álcool. Como forma de reviver algum tipo de sentimento e de dúvida, tangendo alguma nova chance na vida de George (tentativa de iludir o espectador), surge um de seus alunos, que se interessa pelo modo de vida do professor, após uma aula em que George esfrega a cara do medo e do preconceito perante sua sala. O aluno é interpretado por Nicholas Hoult, um dos adolescentes do cultuado Skins (britânico).



O roteiro não tem muito segredo. O desafio de Tom Ford fica por conta de tentar transmitir os sentimentos de seu protagonista além da tela. Senão fosse a brilhante atuação relativamente contida de Colin Firth isso teria sido muito mais difícil, mesmo assim, ator nenhum faz milagre sozinho.

Tom Ford preocupou-se tanto com a estética de sua obra que acabou dando margem pra alguns recursos um tanto baratos, como o uso de flashbacks primários, em horas inoportunas, na tentativa de explicar um pouco da relação entre George e Jim, o companheiro morto em um acidente de carro. Nesse âmbito, fica difícil exprimir o tanto de sentimentalismo que essa obra necessitava. Afinal, o buraco era muito mais embaixo. A história é bela e delicada, mas falta uma mão mais forte na direção, que não tente apelar tanto para a beleza geral da obra, que parece mais um desfile de moda do que com uma obra cinematográfica. Agora, vou parecer um tanto contraditório e peço que vocês tentem me entender. É uma delícia ver aquele tanto de pessoas bonitas na tela, com olhos azuis explodindo atenção, ternos adequadíssimos, gravatas com nós perfeitos, blusas, cabelos e maquiagem irretocáveis, porém, isso não é Cinema. Cinema vai muito além de uma direção de arte fabulosa. Acho que se fosse um Mike Nichols na direção, que consegue exprimir cada sensação e transpor ao importante espectador, aí sim, o filme seria um estouro.



Fora esse problema, que não é tanto um problema, a trilha sonora, embora belíssima, também pesa na cabeça do espectador, poderia ter sido usada com mais afinco, com mais percepção dos personagens, dos singulares momentos de cada um.

O filme ainda que com esses problemas, continua bem acima da média. Isso se deve principalmente aos seus atores. Colin Firth prova que deve ser o mais genial ator de sua geração. A cena em que ele descobre a morte do companheiro é digna de aplausos, transmitindo os sentimentos aos poucos, jogando para o espectador cada pontada de sua dor, tudo paulatinamente. O inglês foi reconhecido com uma indicação ao Oscar e com um prêmio Bafta. Firth é um desses atores que surpreendem no gesto, no olhar e num simples caminhar.

Como eu já disse, o ator é acompanhado por um elenco de coadjuvantes no mínimo luxuoso. Julianne Moore que interpreta uma mulher de moral decadente e solidão em estágio avançado, brilha em apenas uma cena, na qual ela e Firth parecem dois gladiadores jogando as decepções e mágoas na cara do outro. Pra você ter uma ideia, a cena acaba com os dois dançando uma balada tipicamente luxuosa, como a cena e os dois atores devem ser definidos. Nicholas Hoult não deixa a peteca cair, também consegue ser pilar para Firth sem problema algum. O filme ainda trás Ginnifer Goodwin, uma dessas atrizes de comédia romântica, que vem crescendo em Hollywood.



Matthew Goode fica pouco em cena, mas consegue deixar impresso todo o seu carisma e a razão de todo o sofrimento de Colin Firth. Tom Ford se revela um bom diretor de atores, no final das contas.



Num filme onde a estética foi priorizada, não é surpresa que falhas aparecessem. Porém, são falhas que ao mesmo tempo se traduzem em qualidades. Não é errado ter uma encantadora fotografia, que encontra no bege a essência de todos os desafios das personagens, não, não é errado, mas tudo deve ser pensado, e o principal é a relação que o filme tem que estabelecer com quem o vê. Direito de Amar fica no meio do caminho. Te causa comoção, mas não faz rolar nenhuma lágrima, te causa apreensão, mas você vai no banheiro sem arrependimentos, te leva a viajar numa belíssima fotografia, mas o transporte quebra na beira da estrada.

2 comentários:

  1. Eu discordo de ti, acho que apesar da preocupação extrema do diretor em colocar a fotografia e elementos estéticos visuais gerais no primeiro aspecto, é um filme emocional sim, não é frio não. Acho que mexe, que faz pensar, é cheio de dor. A trilha sonora também é um auxílio, deixa algo mais que melancólico no ar, no nosso coração e ouvido. Ao meu ver, é um filme muito especial, tão forte e intenso como As Horas, ainda que este seja bem melhor, obviamente. Acho de extrema minúcia e cuidada a direção, além disso, temos aqui uma atuação bem inspirada do Firth que merecia mais o Oscar aqui que no tal O DISCURSO DO REI. Eu vi esse filme e saí do cinema sem palavras, extrasiado, uma pena que não tenha sentido o mesmo...

    abraço!

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    1. A atuação de Firth fica fora de questão, é irretocável.

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