quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

Me Mira, la Muerte (Crítica: Volver / 2006)

“Guardo escondida uma esperança humilde, que é toda a fortuna do meu coração.”



Não sei como as pessoas reagiriam a uma opinião um tanto radical, mas acredito que não existem diretores tão talentosos, em atividade, como Lars Von Trier e Pedro Almodóvar. Dois diretores europeus que enfileiram obra prima atrás de obra prima. Lars com o seu recente Melancolia (2011) provou que, por mais que fale merda, é um gênio inquestionável. Não tem medo de ousar e mesclar ficção com os maiores medos e segredos do ser humano. Já Almodóvar encabeça a lista do melhor filme da década, o esplendoroso Fale com Ela. Também é dele genialidades como Tudo Sobre Minha Mãe (1999), Carne Trêmula (1997) e Má Educação (2004). Após quatro trabalhos consecutivos, em que presenteia o mundo com exímias obras de criatividade inesgotável, Almodóvar escreveu e dirigiu Volver (Espanha, 2006).

É incrível como bastam dois minutos de projeção para reconhecer um trabalho de Almodóvar, e isso não tem nada a ver com repetições, muito pelo contrário. Almodóvar é conhecido por ser um dos, senão o mais, brilhante diretor em exercício pela sua criatividade, pela plástica visual de seus filmes (talvez esse seja o fator maior de reconhecimento), pelo potencial infindável de eleger tramas e subtramas tão interessantes e encadeadoras de uma complexidade e um charme único.



Volver está longe de ser seu melhor trabalho, mas mesmo assim pode receber a alcunha de indispensável. Para filmar a película, Almodóvar voltou às raízes de uma Espanha estritamente rural, em que apresenta para o público o choque de mentalidades tomadas por superstições com a mentalidade uma Madri explodindo modernidade. O diretor voltou também a focar no universo feminino, na reação da mulher como força motriz de diversas situações inusitáveis, como a morte e o crime. Os homens não merecem nem um terceiro plano, são totalmente excluídos e só aparecem para dar fomento a complexidade do universo feminino, construído com muito bom humor e delicadeza pelo diretor espanhol.

Tente fazer a sinopse de um filme “Almodovariano” e veja como é quase impossível. Isso se deve a quantidade de curvas e portas do roteiro, quando você acha que tudo pode perder o sentido, o diretor tira uma carta na manga e te bota de joelhos em frente a sua película.

Volver envolve drama e comédia, recheada com uma boa dose de humor negro, mas de uma delicadeza insuperável. O filme conta a história de duas irmãs: Raimunda (Penélope Cruz) e Sole (Lola Dueñas). A primeira é uma mãe de família belíssima, que dá duro pra manter a filha Paula e o marido desempregado. A segunda mantém um salão de cabeleireiro ilegal dentro de casa e foi abandonada pelo marido. Em comum, as duas deixaram o vilarejo La Mancha, no inteiror da Espanha, e foram viver em Madri, além disso, perderam os pais num incêndio nesse mesmo vilarejo.



Atente ao fato de que Volver (no português, voltar) toca a todo o momento na questão da morte, em como ela é passado, presente e futuro. A morte também rondará as duas irmãs, Raimunda precisa esconder o corpo do marido Paco, o qual a filha matou após uma tentativa de abuso sexual. Sole convive com o aparecimento repentino do fantasma da mãe Irene (Carmen Maura, que volta a fazer uma brilhante colaboração com o diretor espanhol), após o falecimento de sua tia Paula, no antigo vilarejo, lugar que simbolizará a morte e os fantasmas da vida dessas irmãs. Uma esconderá da outra e se tornarão segredos escondidos no coração de cada uma. Junto a essa trama, surge Agustina (Branca Portillo), uma mulher sozinha, que após o falecimento de Tia Paula, descobre que foi acometida por um câncer e como última ação, deseja encontrar a mãe que sumiu na mesma data do incêndio que vitimou Irene e o marido. Perceba como a morte enfrenta os personagens, botando-os a todo instante de cara com o passado. Por que o passado? A película de Almodóvar é uma agulha que pica a gente durante todo o filme, a morte está parada em todos os cantos, a qualquer momento ela pode olhar diretamente nos seus olhos e te levar embora. Como a Irene fantasma, que “volta” para pedir perdão a filha Raimunda por seus olhos cegos do passado. A morte é como um moinho movido pelo vento de La Mancha.

É incrível a capacidade que Almodóvar tem de levar o filme por um caminho e de repente fazer uma curva brusca e direcionar a obra para outro caminho. O espectador não se perde, se mantém atento a cada salto de seu roteiro genial, a cada sutileza colocada em destaque em dado momento do filme, se delicia com os tons quentes envolvendo as ainda mais quentes mulheres latinas. O vermelho e o verde nos lembram a pimenta, e é tudo o que essa história é, uma dose apimentada de calor humano aos nossos olhos, ouvidos e alma.



Penélope Cruz, que antes de ganhar seu Oscar por Vicky Cristina Barcelona(2008), de Woody Allen, era muito criticada por qualquer papel que fizesse em território ianque. Eu hei de concordar com a maioria, acredito que a barreira da língua seja um obstáculo intrasponível para Penélope, mesmo no aug3e de sua beleza e talento. Nunca você verá a sensualidade e o brilho dos olhos dessa fascinante atriz em filmes que ela não fale sua língua materna, até mesmo no aclamado filme de Allen, onde ela também apela para um inglês carregadíssimo do sotaque madrilenho. Penélope brilha do começo ao fim do filme, desde o instante em que recolhe a arma do crime na cena, digamos que, hitchcockniana do assassinato do marido e a lava com uma câmera vinda do alto, valorizando seu belo busto. Penélope está quente, uma leoa, abandonada pelo parceiro, e protegendo sua cria. Como Allen fez com Diane Keaton em Annie Hall, Almodóvar faz uma linda declaração de amor a Penélope com Volver, com direito a uma indicação ao Oscar de Melhor Atriz, o primeiro de uma atriz espanhola.



Porém, havemos de concordar que Cruz não é nenhuma Meryl Streep, e não teria potencial nenhum para carregar o filme nas costas. É por isso que há volta de Penélope se encontram atrizes tão grandiosas quanto ela. Carmen Maura, que depois de Mulheres À Beira de Um Ataque de Nervos (1988), não tinha feito mais nada com Almodóvar, volta brilhante e seduzindo o espectador com suas cômicas aparições e desaparições. Branca Portillo num papel muito difícil não dá chances ao algoz, mergulha na fragilidade da personagem e entrega uma atuação digna de Oscar. Cannes premiou o elenco de Volver pelo conjunto. Merecidíssimo.



Almodóvar mostra que a narrativa não está em queda no Cinema, o negócio é saber usá-la ao seu favor. O diretor mergulha num universo do qual tem extremo conhecimento, mas não vivência, nem por isso a vida de sua obra se pareça menos luminosa ou um tanto caída, o diretor sabe como compensar isso. Pedro Almodóvar seduz o espectador apenas devotando suas esplendorosas personagens e intérpretes. O resultado é um trabalho genial, dotado de sentidos e marcas tão características do diretor. Pela sua generosidade, Almodóvar deixou que suas atrizes fizessem todo o balé e imprimissem a fortaleza da mulher em sua obra.

2 comentários:

  1. almodóvar é um gênio....Um gênio que carrega dentro de si uma alma linda,feminina e igualmemte criativa. Não há discussão : os filmes de almodóvar vêm num crescendo de qualidade e delicadeza únicos ....coisa que poucos diretores conseguem.


    sou fã das cores e das mulheres de almodóvar.....Volver me marcou mto pela história e pela atuação de carmen,uma diva...e de penélope,a tigresa.

    amei ler o post...fiquei com vontade de revisitar o filme...

    Viste a pele que habito,né?


    beijo ;)

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    1. Concordo, Joyce.
      o que seria de Almodóvar sem essas mulheres?
      Vi sim. Genial também.
      beijo

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