terça-feira, 13 de março de 2012

Poemas Sombrios (Crítica: As Virgens Suicidas / 1999)

"Essa obrigação de ser feliz, paradoxalmente, nos deixa cada vez mais infelizes."



Se existe uma mulher, pela qual eu preservo profunda admiração, essa é Sofia Coppola. Filha de um diretor e roteirista genial e dona de uma carreira sólida, construída com afinco e uma responsabilidade genuína, Sofia se destaca no cenário como uma das diretoras e roteiristas (herança paterna, sem dúvida) mais talentosas de nossa época. Vencedora do Oscar pelo roteiro de Encontros e Desencontros (2003), Sofia plantou diversas quatro sementes de uma personalidade absurda. Desde Maria Antonieta (2006), com aquela trilha sonora ávida e aquele charme tão característico de sua direção de arte, até seu trabalho mais festejado, o já citado Encontros e Desencontros, faz da diretora uma das mais encantadoras cineastas do momento.

Sofia Coppola possui apenas quatro filmes em sua carreira, o primeiro de 1999, que se trata de As Virgens Suicidas (The Virgin Suicides, EUA. 1999) e o último, o subestimado Um Lugar Qualquer, de 2010. Isso me lembra bastante Stephen Daldry, não pela qualidade de seus trabalhos, que são bem distintos, mas pela carreira tímida e ao mesmo tempo tão sólida e festejada. Após uma ponta em O Poderoso Chefão 3, filme do pai, Francis Ford Coppola, Sofia resolveu investir na carreira de diretora e roteirista, mostrando um talento único como roteirista também. Episódio, que eu como grande admirador de seu trabalho, comemoro muito.



As Virgens Suicidas, que foi produzido pelo pai e teve roteiro adaptado do livro de Jeffrey Eugenides, trouxe Sofia para o estrelato. No primeiro trabalho, a diretora se mostrou tão segura e inovadora a ponto de desenvolver desconfianças quanto a originalidade do projeto e até mesmo de seu comando. O filme tem seus erros característicos de uma diretora estreante. Mas, quem sou eu para dizer que Sofia Coppola está errada? E é isso que tanto me encanta na filmografia de Sofia: a capacidade de perturbar o espectador sem a perder a sensibilidade e a calmaria do mundo de uma cineasta mulher. Poucos diretores homens possuem essa válvula tão apreciada por nós cinéfilos. Sofia não cria um universo a partir de conceitos mundanos, ela cria conceitos a partir de um universo muito próprio e valente.

O primeiro trabalho de Sofia é quente sem queimar, lascivo sem proclamar, assustador sem assustar. Escolher dar vida a cinco adolescentes suicidas não é um primeiro trabalho fácil. Exige do diretor uma sobriedade e um controle emocional muito grande, principalmente pela forma como o roteiro foi escrito. Nãos se criam vilões, não se criam heróis, apenas uma história extremamente perturbadora, uma mão que entra pela boca e revira seu estômago, um choque previsto. O desenho magistrado pela profissional grita aos nossos olhos por clemência e nós, como já sugere o título do filme, entregamos a decisão a essas garotas suicidas.



O filme começa com uma tentativa frustrada de suicídio da caçula de cinco lindas irmãs, filhas de um pai doce (James Woods) e controlado pela fé de sua mulher (Kathleen Turner), católica fervorosa. Não sabemos o que leva a irmã mais nova a tentar o suicídio, até que Sofia começa a desvendar as personagens de sua obra. Os pais agem como sombras dessas adolescentes, controlam o que elas ouvem, o que elas leem e o que elas assistem. Como eu disse, eles não são pintados como vilões nem as meninas são tidas como heroínas. Para contar a história dessa família, Sofia usa um grupo de meninos que tentaram desvendar quem eram aquelas lindas meninas e a causa do suicídio.

As meninas da família Lisbon são objeto de desejo de todos esses meninos, apesar de não serem as líderes de torcida do colégio, elas são as mais populares, justamente por ninguém saber quem são as garotas Lisbon. O que se passa na cabeça dessas meninas? Paralelo ao que elas poderiam ter e não tem, por que elas causam tanto encanto, tantas perguntas, tantos olhares intrigados e admiradores?



Após a tentativa de suicídio da irmã mais nova, os pais, num acesso de proteção e prevenção, resolvem integrá-las a comunidade. No meio de uma festa, dada sob a vigilância dos patriarcas da família Lisbon, Cecilia, a menina mais nova, obtém sucesso em sua segunda tentativa de suicídio.

A partir daqui, Sofia cria uma rede totalmente presa a detalhes mínimos da vida dessas garotas. O filme, apesar de totalmente inteligível, exige do espectador uma atenção e uma sensibilidade disforme quanto aos passos de suas personagens. O trabalho dos pais frente a evolução do descontrole aparente da situação, a fuga imaginária das meninas em direção ao trágico final, a admiração plena e sofrida dos meninos da rua. Tudo isso explicará uma tragédia já anunciada. É como se as garotas Lisbon fossem apenas um ser humano e por este ser humano se multiplicasse as tragédias pessoais. Encostar na mente das meninas suicidas é um trabalho árduo, em que o espectador pode ficar totalmente aturdido ou incrivelmente pacífico.

A proposta de desnudar esses dogmas culturais que empacam a vida dessas garotas, deixa o espectador plantado numa voracidade fiel aos sentimentos compartilhados ou combatidos pelas personagens. O mal não se entrega, não traz o óbvio. O maléfico é o todo, o vilanismo que não mostra as caras, pode ser encontrado na televisão virada ao contrário, na religião representada por um símbolo no pescoço da mãe Lisbon, na infantilidade presente no amadorismo de suas personagens principais ou, até mesmo, na suposta trilha da precocidade aflorada. Lembre-se, meu caro, a menina mais nova é a primeira a tirar a própria vida, é a primeira a contestar seu quadrado e reproduzir seus sentimentos nas outras irmãs.



Kirsten Dunst que faz o papel da Lisbon que promove uma luta entre seus desejos e a obediência, tem de longe, a personagem que mais se destaca. O jogo que ela faz consigo mesma é tão contraditório quanto a solução ou a tentativa de solucionar que os pais não buscam. Sair de biquíni a rua e tomar sol no jardim, somente aos olhos dos pais. Sair com o cara mais paquerado da escola, somente com a concordância dos pais. Mas o que ela faz entre quatro paredes, o que ela implica com sua explosão de expressões, isso seus pais não devem sequer sonhar.

O universo criado por Sofia Coppola faz jus a história. A fotografia “amanhecida” sempre presente nos trabalhos de Coppola, a direção de arte incumbida de trazer a serenidade frágil de suas personagens. Tudo implode numa rede de fornecer melancolia a um universo melancólico por si só. Constrói-se um mundo de calmaria disfarçada, de pacificidade polida, mas que consegue te perturbar e derrubá-lo como um furação.



O isolamento presente como princípio básico da união e bom convívio dessa família, vai corroendo as entranhas e o oxigênio dessas garotas. Que numa cena espetacular, de brilhoso talento de Sofia Coppola, deixam a vida por um bem, desejavalmente, maior.

5 comentários:

  1. Seu texto é devoto, sincero e muito emotivo - pra sentirmos Coppolinha, tem que ser assim mesmo. Não adianta ser seco, não funciona. Suas obras são densas e mexe demais com nosso interior. Gostei muito da sua percepção sobre esse filme lindo e triste. Parabéns pelo estilo! abraço!

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  2. Texto lírico e idílico. Filme e textos ótimos. Um abraço!

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  3. Impecável seu texto! Primeira vez que vejo um homem gostar da Sofia Coppola, pois simplesmente acham uma chatice total ou ficam com sono ao ver os filmes dela. Você simplesmente percebeu o que muitos homens não perceberam... Sofia passa ao telespectador
    o mundo indecifrável das mulheres, o toque sensível de um olhar feminino e entre outras coisas... parabéns pelo texto!

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