quarta-feira, 27 de julho de 2011

Mundo de Lá (Crítica: Os Incompreendidos / 1959)



Poucos já tiveram o prazer de saber o que é Cinema. Cinema puro, sensível, delicado e de qualidade inquestionável. Cinema este que revelou uma corrente de diretores e roteiristas talentosíssimos e com uma sede de trabalhar em prol da sétima arte. Esse é o movimento artístico denominado Nouvelle Vague, que surgiu na França no fim dos anos 1950. Podemos encarar o movimento francês como parte de uma cultura de contestação dos antigos valores que ia se erguendo nos anos de 1960, como a rebeldia dos jovens representada pelo rock and roll, a liberação sexual e econômica das mulheres, contextualizando, assim, o conhecido movimento feminista.

O Cinema não ficou atrás como pode ser visto e revisto com as obras cinematográficas do movimento. A Nouvelle Vague tem entre suas maiores características ir contra os moldes pré-estabelecidos pelo Cinema norte-americano. O diretor passa a ter mais liberdade ao trabalhar com a câmera, com o próprio tema da obra, já que era válida a exploração de temas tabus na época, a experimentação de novas linguagens cinematográficas, tornando a linearidade da narrativa algo não obrigatório.



Os cineastas da Nouvelle Vague são em sua maioria todos oriundos da crítica cinematográfica, trabalhavam na revista Cahiers Du Cinema. Cinéfilos eles já eram, e resolveram arriscar atrás das câmeras, trazendo um sopro de modernidade ao modo de fazer Cinema. Vale lembrar que inicialmente os recursos para fazer o filme saíam do bolso dos próprios cineastas e de seus familiares. Entre os grandes gênios que surgiram com a fundação da Nouvelle Vague podemos citar: Jean-Luc Godard, François Truffaut, Claude Chabrol, Eric Rhomer e Alain Resnais. Todos esses críticos e agora diretores tornaram-se mitos na história do Cinema Mundial.

No geral, com o novo movimento (que pode ser chamado de escola, embora os fundadores não apreciassem muito essa denominação) traz uma nova configuração ao representar o Homem nas telas. Não existe mais a representação simples de um romance por pura representação, agora existe um mergulho nas profundezas do psicológico do ser humano, festejando liberdade existencial do Homem, desde suas conquistas até suas práticas mais banais do cotidiano. E o Cinema como um todo só ganha com isso. Uma grande aquisição é a ruptura com o cinema totalmente filmado em estúdios. A humanização das práticas ganha cada vez mais espaço, trazendo para os espectadores a tão saborosa identificação com as personagens, com a história e com o mundo do cinema.

A Nouvelle Vague tem seu marco inicial com duas obras: Acossado (1959) de Godard e Os Incompreendidos (Les Quatre Cents Coups, França, 1959) de François Truffaut. Como os roteiros das duas obras pertencem a Tuffaut, ele foi considerado o grande nome do movimento. Os dois filmes estavam tocando na ferida da época: a revolução dos valores morais. Embora sejam obras que se enquadram num mesmo movimento e relativamente numa mesma temática, elas são bastante diferentes quanto ao público que se dirigem. Hoje a crítica é de Os Incompreendidos, o pequeno grande clássico de Truffaut.



Truffaut escolheu, em seu primeiro trabalho como cineasta, tentar desvendar o mundo de uma criança (12, 13 anos) que não se encaixa em nenhum lugar da sociedade, que pelo mesmo contingente é massacrado por não seguir uma constante em sua vida. Segundo alguns críticos, o personagem principal da obra Antoine Doinel é o alter-ego do diretor. Truffaut também nasceu no seio de uma família pobre que não se sustentava emocionalmente, desprezado pela mãe e pelo padrasto, Truffaut viveu nas ruas de Paris, cometeu pequenos furtos e chegou a ficar durante um tempo num reformatório. Truffaut buscou na sua própria história e na construção de Antoine uma visão compreensiva sobre o mundo de um jovem incompreendido pelos adultos. Por esse motivo, pela intenção do cineasta, acho o título nacional bem mais feliz que o francês, que numa tradução ao pé da letra seria como “pintando o sete”, o que dá um aspecto muito cômico a história. Realmente a história é repleta de momentos cômicos, mas acredito que o título nacional sugere uma amplitude muito maior quanto ao que o diretor realmente foi buscar ao rodar esse filme. É cômico, engraçado, sensível, delicado, inteligente, fascinante, biográfico. É lindo.

Antoine Doinel (Jean-Pierre Leáud, um marco) é um garoto que tem, aparentemente, seus 13 ou 14 anos. Vive na efervescência de Paris totalmente jogado aos tubarões. O padrasto volta e meia parece gostar do garoto, mas também é impaciente, não tem um diálogo considerável com o filho. A mãe (tão cabível à época: é a mulher entrando no mercado de trabalho, mas ainda insegura e, por isso, busca no adultério uma estrutura mais forte), flagrada pelo menino num ato de adultério, chantageia o garoto em prol de suas intenções, pisa na sua infância, tornando-se uma verdadeira megera em dado momento do filme. Na escola o garoto também não se encaixa, o professor é o verdadeiro carrasco da vida de Antoine.



Antoine não é um garoto bom nem mal, é simplesmente um garoto, com todos seus defeitos e tímidas qualidades, uma criança que aprendeu na rua o que supostamente é certo e o que é errado. Depois de tantos problemas na escola, e a difícil compreensão dos motivos por parte dos pais, Antoine parte para a rua, começa a cometer pequenos furtos, até ir parar num reformatório.

O carinho com que Truffaut trata a personagem é emocionante. Sem abandonar o tom naturalista, Truffaut constrói uma criança adorável, mesmo em seus erros gritantes, mas nunca, nunca mesmo, cheguei a pensar que ele podia se prostrar diante dos pais ou da autoridade de seu professor. Criamos um laço afetivo tão grande com a personagem que ele arranca risos e lágrimas discretas de nós espectadores de uma maneira muito fácil, isso é mérito do diretor, mérito desse amor entre diretor e personagem. Ressalto também que Truffaut levou a personagem para mais cinco filmes seus tamanha era sua identificação com Antoine.



A obra tem momentos cômicos e momentos extremamente sensíveis. Vale lembrar como cômico o momento em que o professor sai com os alunos por Paris numa fila indiana e um a um os alunos vão se infiltrando nos becos e prédios da cidade, numa fuga hilária do professor ditador. De cenas sensíveis, a obra é repleta. Desde a identificação da personagem com Honoré de Balzac (e o massacre feito sobre essa identificação) e a belíssima cena final, em que o garoto, correndo numa praia, para e encara a câmera. Um dos finais mais delicados e explosivos que já vi.

O resultado final é uma obra única, o herói, tão visto nos filmes convencionais, aqui é um anti-herói. Truffaut não transforma Antoine num humano digno de pena nem num garoto digno de desprezo. Transforma o garoto num problema simples. Assim, em nenhum momento a obra parece ser piegas ou extremamente melodramática. É um filme como nenhum outro, difícil de criticar, mas fácil de apaixonar-se. Truffaut dá suposta margem à entrada do menino à marginalidade sem conseqüências e sem razão, leva o menino até o ponto em que ele (Truffaut quando criança) parece que conseguiu escapar. Ninguém sabe o que vai ser de Antoine, mas todos sabem o que foi Truffaut.

terça-feira, 19 de julho de 2011

Blá Blá Blá (Crítica: Lembranças / 2010)



Existem diretores, atrizes e principalmente atores que me causam certa resistência a assistir seus filmes. Mas, tudo isso é muito consciente, conheço bem o trabalho do indivíduo antes de julgá-lo bom ou mal até o fim da vida (assim me parece), não é assistir a um filme e surge essa resistência, até porque eu sei que atores podem não aparecer bem em uma obra devido a um roteiro cheio de falhas, um diretor fraco ou até mesmo um companheiro de cena travado. Tem que estar tudo montado pra que eles possam brilhar. Ainda assim, o trabalho mais difícil fica por conta dos atores: para o filme ir bem, eles têm que se entregar ao máximo e não podem ter medo do que podem precisar fazer em cena; se por ventura o filme for mal, é nos ombros dos atores que cai o fardo também.

Depois de muito insistirem resolvi verificar o que era Lembranças (Remember Me, 2010. EUA). Foi muita insistência mesmo. Sempre que comentava com alguém o quanto eu achava Robert Pattinson um péssimo ator, lá vinha: “Mas você já assistiu Lembranças? É o melhor filme dele, ele está ótimo, o filme é surpreendente e blá blá blá blá blá”. Antes de tudo, quero deixar bem claro duas coisas: primeiro, gosto é uma coisa que realmente não se discute, cada um tem o seu mesmo e, segundo, NÃO É PERSEGUIÇÃO, não estou aqui para falar mal de ninguém, por isso, tudo o que eu achei ruim vai ser argumentado e não simplesmente jogado aqui no texto.



Li uma resenha sobre o filme que me chamou muito a atenção, Pattinson passa hoje pela mesma situação que passou Leonardo DiCaprio na época de Titanic. Porém, existem diferenças. DiCaprio conseguiu provar num de seus primeiros trabalhos Gilbert Grape (1993) que tinha talento, tanto é que foi indicado ao Oscar logo de cara. Com Pattinson acontece diferente. Após o fenômeno que se tornou a Saga Crepúsculo (aqui entre nós, como isso conseguiu virar um fenômeno?) Pattinson vem tentando mostrar uma veia mais madura e dramática, simplesmente querendo encontrar seu lugar no meio dos artistas respeitados em todo o mundo. Lembranças já é sua segunda tentativa. Isso é sinal de que beleza te leva longe mesmo, porque até hoje Pattinson não conseguiu transmitir para as telas nem 1% do que ele consegue com capas de revista, fãs, publicidade, etc. Falha da indústria cultural ou do público consumidor (já cansei de falar que tenho a nítida impressão de que cada vez mais o mundo se torna um teenage dream insuportável).

Se você espera uma virada nessa crítica, que em algum momento eu começarei a falar bem do filme ou de Pattinson. Desculpa, enganou-se. E o que mais vai ter aqui são spoillers.

Antes de explicar um pouco como é o filme tenho que alertar para a fragilidade do roteiro de Lembranças escrito por Will Feters. Ao longo do filme você vai percebendo as lacunas que esse roteiro vai deixando. Até que no final não se entende nada, a impressão que eu tive é que eu assisti três filmes ruins em apenas um péssimo.



Pattinson é Tyler Hawkins, um cara de família rica, mas que nega todo o dinheiro, pois está em busca de um rumo na sua vida, trabalha pra se sustentar, mora num apartamento caído com mais um amigo. Enfim, é aquele tipo que estamos enjoados, por algum motivo ele se rebela contra a falta de tempo do poderoso pai (Pierce Brosnan) para dar atenção à família, contra a falta de sentimento no mundo, as injustiças (putz). Tyler entrou nessa filosofia de vida após o suicídio do irmão.

Enquanto Tyler não encontra seu caminho ele vai vivendo, estuda, sai de vez em quando (apesar de parecer muito introvertido) e às vezes arranja confusão. Numa de suas saídas, após uma briga de rua, Tyler acaba preso por desacatar o policial Neil Craig (Chris Cooper, sempre no tom certo). O que acontece é uma série de situações que extremamente previsíveis e até parecem chamar os espectadores de máquinas: “Vai, absorve isso aí” – O que chamaríamos nas, nem um pouco saudosas, aulas de Teorias da Comunicação de padronização. Tyler, movido pelo colega de apartamento (que por algum motivo acha que tem que dar o troco no policial), é convencido a se aproximar da filha de Craig, Ally (Emile de Ravin, a Claire, de Lost).

Tudo bem, o cenário está formado, e tenho certeza que você sabe tudo o que vai acontecer a partir de agora. Agora minha pergunta é: Porque o roteiro não se manteve centrado na história de Tyler e Ally? Mesmo Tyler com tantos questionamentos sobre a vida já dava um filme.



Ok. Ally se apaixona por Tyler, e ele por ela. Até que chega o momento em que Ally descobre a armação, briga com Tyler, termina tudo e vai embora. A partir daqui, parece que começa outro filme. A única pessoa com quem Tyler ainda mantinha uma boa relação antes de conhecer Ally, era sua irmã mais nova. A menina sofre na escola por ser muito madura para sua idade, é praticamente uma artista intelectual. Após Ally ir embora, a trama central do filme passa a ser a relação de Tyler com a irmã. Após uma trágica festinha de aniversário, a irmã de Tyler torna-se a protagonista do filme e quando menos se espera Ally está de volta para auxiliar o amado e sua família. Não existe uma conversa de reconciliação, de colocação dos pingos nos “is”. Desconexo até a última gota.

Se não bastasse esse imenso recheio de clichês e de histórias sem quê nem porquê, vem o final. Para alguns pode parecer surpreendente e impactante. Para mim só mostra a intensa fragilidade do roteiro, que precisou apelar para um final que foge da história e que realmente é impactante. Mas existem bons e maus impactos. Diria que foi desagradavelmente impactante.

As histórias vão sendo deixadas de lado, é como se no meio de uma o diretor pensasse “Ah esqueça essa. Olha essa. Muito mais interessante né?”



Robert Pattinson não faz nada mais do que o babaca do Edward. Monta um personagem travado, repleto de caretas e diálogos chatos. Pattinson tem muito o que evoluir. Na cena em que o ator deveria mostrar toda sua veia dramática e mostrar o que sabe fazer, ele é engolido por Pierce Brosnan, que cá entre nós, não passa de um ator mediano. Emile de Ravin está apagada. Também dá pena ver grandes atores como Chris Cooper e Lena Olin nesse tipo de trabalho sem expressão.

A sensação é de muito blá blá blá. O filme poderia ter sido muito melhor se escolhesse apenas uma das subtramas, mas optou por uma imitação de Crash (2005) com histórias fracas e atores pouco expressivos.

terça-feira, 12 de julho de 2011

O Fundo do Poço (Crítica: Reencontrando a Felicidade / 2010)

Um dia isso passa?

Não. Mas, em algum momento, torna-se suportável.



É difícil dimensionar perdas. Difícil para quem já perdeu, impossível para que nunca vivenciou. Seguindo a ordem natural das coisas, somos nós filhos que enterramos nossos pais. Tarefa que deve ser dura e perversa, mas que segue uma lógica existencial. Porém, não são apenas em volta desses casos que a Terra roda, há de se lembrar que não é sempre que essa ordem natural é seguida. Quem nunca ouviu falar que não existe dor maior do que a dor de perder um filho? Sinto e entendo que não posso mensurar nem 1% dessa dor.

Diferentemente do que apresentou em seus outros trabalhos, John Cameron Mitchell (Shortbus) vem nos propor uma reflexão de como conciliar dor e vida em seu mais novo projeto: Reencontrando a Felicidade (Rabbit Hole, 2010. EUA), obra baseada numa peça da Broadway, vencedora de diversos prêmios (inclusive o Pulitzer). Mitchel apresenta uma visão totalmente alheia dos clichês que nós sabemos que rondam uma família arrebatada pela perda de um filho. Ao invés de mostrar a morte, causar impactos, dramatizar, Mitchel inicia sua história oito meses após o incidente, na tentativa de sobrevivência das vítimas ilesas. A intenção é mostrar ou pelo menos tentar encontrar meios em que os pais possam continuar a viver.



A história se passa no antro de uma família de classe média americana. O objetivo inicial do filme é revelar como Becca (Nicole Kidman, ressurgindo) e Howie (Aaron Ekhart) estão reagindo a prematura morte do filho Danny, de 4 anos. Danny (que em nenhum momento aparece de frente para a tela) morreu na porta de casa, atropelado por um automóvel. Becca e Howie reagem de formas diferentes e desconexas. A mãe parece ser mais fria, mais controlada, mas no decorrer do filme vemos que é só uma casca. Becca entende que a melhor forma de esquecer a dor é negar a existência do filho para si mesma, negar os acontecimentos. Assim, Becca esconde numa caixa tudo o que faz com que ela lembre o filho. O sofrimento de Becca é visível, é cru, está solto pra quem quiser ver. Diferente de Howie. O pai aparentemente e sob suas ações parece sofrer mais. Howie vê vídeos do menino, fala de Danny o tempo todo (“Eu acho que ele vai sair debaixo da cama e aparecer do nada como ele sempre fazia”) e, ainda, acredita sofrer mais que Becca.

São diferentes situações. O pai que nada vê e tudo sente e a mãe que emblematicamente procura um ponto de redenção, uma válvula de escape. Válvula de escape essa que será usada por Howie diversas vezes, na procura por outras mulheres ou nas drogas. Incrivelmente, Becca encontrará um caminho para a libertação de sua angústia no garoto que atropelou seu filho. Na construção de uma relação única e desafiadora, Becca propõe-se uma nova chance.



Durante toda a narrativa, que é lenta e pesada (com a temática do filme não podia ser diferente) aparecem alguns personagens na vida do casal, como a mãe de Becca, interpretada pela ótima Dianne Wiest (a mesma vendedora de Avon em Edward – Mãos deTesoura e vencedora de dois Oscars), que compara a morte de Danny com a de seu filho (morto em função do uso de drogas). Um dos diálogos mais alucinantes do filme se dá entre Becca e a mãe. Numa lavanderia Becca, esgotada, pergunta a mãe se a dor vai passar. A personagem de Wiest consegue dar uma das definições mais simples e emocionantes quanto à passagem da dor: “Depois de um tempo a dor sai do peito e é como um tijolo que a gente coloca no bolso. A gente esquece. Até que se lembra do peso. Colocamos a mão no bolso e pensamos ‘Ahh, é isso’”. Também temos a deliciosa ponta de Sandra Oh (Grey’s Anatomy) como uma mãe que perdeu o filho, usuária de maconha e possível affair de Howie.

O filme, claro, fica sob as costas de Nicole Kidman. Aaron Eckhart está ótimo como o pai persistente na dor, mas, de certa forma, ele serve como um trampolim a Kidman. A atriz que não apresentava uma atuação digna de quem já ganhou um Oscar por interpretar Virginia Woolf desde o longínquo Dogville (2003), volta com toda a sua graça e força física. Nicole dá vida ao texto, faz do silêncio uma experiência ensurdecedora, faz dos nossos olhos um oceano. É algo parecido com gratificação o que eu sinto por Nicole. Torci tanto por sua volta por cima que me sinto como um dos responsáveis pela merecidíssima conquista de sua terceira indicação ao Oscar por esse trabalho. Apesar de que sua incrível força física vem sendo abalada pelo excesso de Botox no rosto. Mas, enfim, é o retorno de Safine, de Vírginia, de Grace, de Nicole, tudo em Becca.



No intuito de criar uma metáfora de simplicidade e de recomeço, o diretor optou por uma fotografia bastante primária, mas, ainda assim, sublime. A fotografia foca nas relações líquidas do nosso cotidiano, a relação do verde (planta) com a terra molhada, do açúcar com água virando caramelo. É como se fosse a visão de um bebê, que vai aprendendo e assimilando essas relações. A metáfora é a tentativa de renascimento de Becca, é o olhar apurado para essas coisas simples.



Mitchell , como já disse, ganha pontos por não cair na vala do senso comum. O diretor sabiamente deu um rumo inusitado ao seu trabalho. Não escolheu saturar uma relação entre pais e filho e, assim, tirar abruptamente o filho de cena. Fez melhor. Na construção de uma “teoria” de como sobreviver à ausência do filho, o diretor constrói uma obra emocionante e única, porque esse é um dos poucos filmes em que o mestre não apela para o melodrama.

Saber dosar sofrimento, realidade. Saber até onde ir, onde parar. Saber crescer com os infortúnios, saber dançar na cara da morte. Não existe poço que não tenha fundo nem queda que nunca acabe. Não existe escuridão sem luz nem luz sem trevas. O que existe é apenas uma vontade incessante de proteger, dominar, restaurar, voltar. O medo de seguir adiante é o medo que existe em mim, que existe em você.

domingo, 10 de julho de 2011

Rir pra não Chorar (Crítica: Queime Depois de Ler / 2008)



Espero que vocês concordem comigo que no Cinema existem vários tipos de comédia: a escrachada, estilo de Ben Stiller e (agora exaltado pela crítica) Judd Apatow, a narrada (que às vezes dá certo) de Woody Allen e a inteligente, sutil, recheada de humor negro e notáveis diálogos que sempre fogem dos lugares-comuns, que tanto assombram esse gênero cinematográfico. Os irmãos americanos Joel e Ethan Coen são o melhor exemplo de como se fazer humor inteligente, carregado de tragédia e estupidez, de vez em quando sendo grotesco e um tanto bizarro. Porém, real.


Os últimos trabalhos dos cineastas consistiram numa fuga das raízes ácidas de seus primeiros e melhores trabalhos (Fargo, 1996 e O Grande Lebowski, 1998). Com Bravura Indômita (2010) refilmagem do clássico de 1969 e Onde os fracos não têm Vez (2007) os irmãos adequaram-se a linha hollywoodiana de produção de filmes. São trabalhos mais densos e complexos. Não é a toa que pelos dois filmes receberam uma chuva de prêmios, inclusive o Oscar de Melhor Filme e Melhor Direção por Onde os Fracos não têm Vez. Isso não quer dizer que o trabalho que os dois sempre fizeram com a comédia não seja de qualidade, muito pelo contrário, eu acredito que é onde estão suas melhores obras. O problema realmente é parte da crítica, que não consegue entender o estilo único que os cineastas têm para fazer rir.

Em meio aos dois últimos trabalhos dos Coen surge uma joia do gênero: Queime Depois de Ler (Burn After Reading, 2008. EUA). Queime Depois de ler deve ser visto como uma obra incrivelmente inusitada. Aqui não tem história, não tem trama, tudo se ergue em volta das personagens que são tão bizarras quanto reais. Os Coen voltam a brincar com os estereótipos do nosso conhecido cotidiano e a humanizá-los na medida em que eles cometem os mais diversos erros.



Queime traz um elenco estelar: Brad Pitt, Frances McDormand, George Clooney, John Malkovich, Tilda Swinton e Richard Jenkins, arrisco a dizer que o mais saboroso dessa comédia é ver esses grandes astros interpretando personagens tão burlescos. Por exemplo, o personagem de Brad Pitt é o cara mais idiota possível, aquele cara que acha que engana todo mundo numa mudança de voz e de atitude, é quase infantil, mas, é mais imbecil.

Linda (Frances McDormand) é uma quarentona que trabalha numa academia de ginástica junto com Chad (Brad Pitt, merecia um Oscar), ele é um bobão, ela uma mulher infeliz com a aparência. Um dia Chad encontra no vestiário da academia um CD com diversas informações da CIA, as quais ele e Linda julgam ser sigilosas. Após descobrirem que o CD pertence a um ex-espião da CIA, Osbourne Cox (John Malkovich, ótimo em todo seu mau-humor), eles resolvem chantageá-lo ou então o CD iria parar na Embaixada russa. Do outro lado, Osbourne é casado com Katie (Tilda Swinton), que mantém um relacionamento extraconjugal com o paranóico Harry (George Clooney), policial que tem orgulho de nunca ter precisado atirar em ninguém durante os vinte anos de profissão. Pronto. Está montado o covil. Não parece, mas todos esses personagens irão se interligar da forma mais inusitada e cômica em função da vida dupla que cada um mantém. Isso tudo é mérito do roteiro magnífico criado também pelos irmãos Coen, já que possibilita a junção de dois núcleos distintos, em que ninguém é protagonista, numa hilariante e sólida comédia de espionagem.



A trilha sonora de suspense é espetacular. Traz músicas que nos remetem a filmes de espionagem mescladas às cenas hilárias que vão passando na tela. Não poderia ser melhor. A comédia de humor negro é a grande marca da carreira dos irmãos e não poderia ser diferente nesse filme. Existem cenas impagáveis como a visita de Chad e Linda à Embaixada Russa, acreditando no poder das informações que eles possuem e até mesmo na misteriosa criação de Harry no porão de sua casa.



Frances McDormand me causa certo receio, acho uma atriz estranha e, talvez por isso, tenho essa resistência. Porém, não posso negar que ela tem talento. Não bastava o Oscar de 1996 de Melhor Atriz por Fargo (Frances é esposa de Joel), a atriz mostra que tem verdadeiro dom para a comédia. Calma. Dom para a comédia dos Coen. Não imagino ela fazendo piadas escatológicas ao lado de Ryan Reynolds em qualquer filme por aí. Em questão de atuação o filme é todo de Pitt e Clooney. A dança do personagem de Pitt causa vergonha alheia, sua imbecilidade pinta nossa cara de vermelho. Tem que ter muita cara de pau. George Clooney vem provando ser o melhor ator de sua geração. Vai do drama a ficção, da comédia a ação, sempre entregando performances de alto nível. Com Conduta de Risco (2007) tornou-se o ator mais rentável do planeta: traz dinheiro e prêmios.

Nunca duvide dos irmãos Coen. Das suas genialidades ao escreverem roteiros até a perfeita formação de ângulos durante as filmagens. Do mais complexo ao mais simples: eles são exímios. Não deixem de ver os outros filmes da dupla, onde será possível ver também a extensa colaboração entre os cineastas e o ator George Clooney.



Queime Depois de Ler não é só comédia.

Existe ali uma suave crítica aos atores sociais. Repare em como os personagens velam infelicidade, angústias, tornando-se, assim, verdadeiros personagens. Personagens dentro de personagens. Isso é característica dos Coen, ali ninguém é realmente feliz. Todos mentem, todos traem, todos omitem. É o verdadeiro reconhecimento de nós mesmos sem perder o bom humor.



Ta aí Pedrodan.. hahaha