sábado, 18 de junho de 2011
Ode à Solidão (Crítica: Encontros e Desencontros / 2003)
Parabéns a vocês que se encontram, se perdem, se acham, se perdem novamente, se resgatam e se perdem, mas, de novo, se acham.
A vocês que nunca se acharam, nunca se encontraram, nunca se perderam. A vocês que nunca viveram e nunca morreram: o inferno é quente mesmo?
Pegando uma carona com o último post (Morte ao Rei), decidi por revelar um pouquinho mais do trabalho da diretora e roteirista Sofia Coppola e, assim, apresentar o seu melhor trabalho desde que saiu da frente das câmeras para se tornar umas das principais diretoras de cinema da atualidade. Sofia iniciou sua carreira de diretora no longínquo As Virgens Suicidas (1999), longa sobre a difícil entrada na vida adulta de cinco jovens controladas pelo punho de ferro dos genitores. Em 2003, filmou, o que na minha opinião representa o seu melhor trabalho para o cinema, Encontros e Desencontros (Lost in Translation, 2003. EUA, Japão).
O roteiro de Encontros e Desencontros foi escrito por Coppola. Mais uma vez ela mostrou ser dona de um dom incrível: contar histórias cômicas com uma sentimentalidade tão profunda e reflexiva, que faz com que o espectador desmonte frente aos personagens, cenários e diálogos. Sem dúvida esse é o trabalho mais inspirador de Sofia e, hoje, já é considerado um filme Cult pelos críticos de Cinema.
Todos os filmes de Coppola trazem um misto de alguma coisa com a solidão. As Virgens Suicidas traz a solidão mesclada ao mundo feminino, Maria Antonieta (2007) mescla tédio e solidão, Um Lugar Qualquer (2010) promove um misto de solidão e responsabilidade. Encontros e Desencontros não é diferente, é o auge da resposta de Coppola a solidão.
Bob Harris (Bill Murray no melhor papel de sua carreira) é um ator americano em decadência, que foi convidado pra gravar um comercial de uísque em Tóquio. Do outro lado, encontra-se Charlotte (Scarlet Johansson, linda), mulher de John (Giovanni Ribisi), um fotógrafo viciado em seu trabalho e que deixa a esposa o dia todo sozinha num quarto de hotel. A princípio, Bob e Charlotte só têm em comum apenas o fato de estarem hospedados no mesmo hotel. Acostumados ao fuso horário americano, Bob e Charlotte não conseguem dormir, passando noites em claro e horas sem trocar uma palavra com ninguém. Eles ainda nem tem ideia um do outro. Pra suprir essas horas em que não conseguem dormir, Bob e Charlotte começam a freqüentar o bar do hotel e aí finalmente se conhecerão e nutrirão desde o início uma relação de amor e amizade recíproca.
A relação de Bob e Charlotte não é o amor que está ligado ao sexo e ao desejo, é uma relação de salvação, como se um fosse para o outro o colete salva vidas que foi atirado no mar tempestuoso. É uma cumplicidade que se cria por resquícios que a solidão estava deixando marcada nos dois. Imagine-se num lugar onde você não conhece ninguém, não tem chances de se comunicar com ninguém (adicione aí o fato de não conhecer nem sequer uma pessoa e, ainda, não possuir o domínio de uma língua e de uma cultura que vão além do compreensível, pois é assim que o homem tedioso e cômodo que habita o Ocidente enxerga o resto do mundo). São belíssimas as cenas em que os dois novos amigos se encantam com um banho ao modo japonês, surpreendem-se com uma prostituta japonesa. Todo esse mundo novo vai se abrindo diante dos seus olhos de uma maneira terna e deliciosa que é a relação de Bob e Charlotte.
Aos poucos os personagens de Murray e Scarlett começam a sentir uma atração física, mas eles sabem que o que está sendo vivido não é uma realidade concreta, eles tem conhecimento de que aquilo tudo que aconteceu se deu por motivos sempre externos: a distância de casa, o contato com um novo mundo e a solidão.
Tóquio aparece como uma metáfora na obra. É aquela história de cidade grande versus solidão. Por mais que as cenas sempre estejam recheadas de gente, os personagens nunca deixam de estar sós. Eles estão sempre sendo sustentados um pelo outro. Encontrando-se num olhar, numa fala ou num gesto. Sofia Coppola pegou Tóquio pra mostrar a dificuldade que tem o homem do ocidente em se habilitar numa cultura totalmente diferente e, assim, dar margem a solidão.
Bill Murray com certeza é alma do filme. Indicado ao Oscar de Melhor ator pelo trabalho, Murray dá todo o semblante triste e, ao mesmo tempo, cômico que o personagem necessita, e faz isso brilhantemente. Suas caretas frente às ações dos japoneses provocam um riso contido no público. Um riso de semelhança. Um encontro entre você e ele. Scarlett também surge toda graciosa, num papel que exigiu muito dela como atriz. Está adorável e prova que tem talento de sobra também.
Tudo funciona como uma comédia na obra de Coppola, mas de repente tudo mergulha num mar profundo de tristeza, e aqui o filme ganha sua beleza e a sua pureza. Se você procurar respostas na obra, desista, ela não te dá. Basta você não procurá-las.
Essa é a Ode que Sofia Coppola fez a solidão. Mostra como ela existe, persiste e insiste em ser parte de nós. Encontros e Desencontros é uma agradável conversa de amigos que se apaixonam, se salvam, e daí, passarão a se encontrar, a se achar, a se perder, e quem sabe, a morrer e a viver.
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Guzinho, tá lindo demais seu blog. Simplesmente me emocionei lendo essa resenha, e é sério.
ResponderExcluirTá cada vez melhor e mais intenso seu blog. Tô amando!! *.*
Beijão!
Esse filme é muito bom e inspirador também pra quem gosta de cinema.
ResponderExcluirÓtima crítica, cara, parabéns!
Massa, cara. Muito obrigado. Volte mais vezes :))
ExcluirTenho certeza que de todas as críticas que li sobre a sua foi a mais completa, ótimo trabalho.
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