sexta-feira, 8 de julho de 2011

Vinho Tinto de Sangue (Crítica: O Silêncio dos Inocentes / 1991)



Personagens que se tornam clássicos. Mais que isso. Personagens grotescos que se tornam clássicos, que despertam perplexidade e certo sadismo no espectador pelo simples fato de aparecerem na tela. Desse tipo não sei se existem muitos, mas sou capaz de citar alguns (me corrijam se eu estiver errado e adicionem outros ao comentar): Jack Torrance, de O Iluminado (1980); Norman Bates, de Psicose (1960); Anton Chigurh, de Onde os fracos não têm vez (2007); Patrick Bateman, de O Psicopata Americano (2000), o Coringa de Heath Ledger; e, pra fechar, Hannibal Lecter, de O Silêncio dos Inocentes (The Silence of the Lambs, 1991. EUA). Lembre-se que esses personagens citados são os que seguem essa linha do grotesco, do medo, da anestesia. O Bateman de Christian Bale talvez seja o mais fraco, porém isso não quer dizer que é ruim, só não dá para competir com os outros cachorros grandes. Torrance, Lecter e Chigurh são os meus preferidos, devido ao fato de serem únicos e praticamente indecifráveis em sua transformação. Mas desta vez a crítica é toda de Lecter, ou melhor, de O Silêncio dos Inocentes (perdoem-me as possíveis informalidades ao longo da crítica).

O Silêncio dos Inocentes é baseado no livro de Tom Harris, que recebe o mesmo nome e data de 1988, mas cabe aqui uma citação interessante. Esse não é o primeiro livro que traz Lecter como personagem, Harris já havia escrito Dragão Vermelho (1981) e este já trazia Hannibal Lecter como o temível protagonista da trama. Nunca li o livro e até penso, como agora, que se o livro for melhor que o filme eu estou perdendo muito.

Jonathan Demme (na época já um diretor experiente), diretor de filmes como Filadélfia (1993) e do excelente O Casamento de Rachel (2008) cria um suspense policial espetacular na direção desta obra. Os diálogos entre os personagens principais são um capítulo a parte: tensos, angustiantes, irônicos e inteligentes.



O filme conta a história de Clarice Starling (Jodie Foster, genial), uma policial estagiária do FBI, que recebe a função de estudar a cabeça de um brutal assassino, o canibal Hannibal Lecter (Anthony Hopkins, dispensa qualquer comentário), para, assim, tentar coletar informações e encontrar um serial killer de nome Bufalo Bill, que esta sequestrando, matando e mutilando mulheres nos EUA. Hannibal está confinado numa cela de extrema segurança, é tratado realmente como um animal. Vejo em Lecter um dos mais brilhantes personagens já feitos pelo cinema: um médico, educado, fino e inteligentíssimo, porém, um serial killer, irônico e manipulador. Veja esse imenso choque de valores. É como se a personagem usasse de seus atrativos, como um animal, conduzindo a presa até seu momento final (confesso que me lembra muito o médico Roger Abdelmassih).

A relação dos dois vai muito além do profissional. Tem início entre Clarice e Lecter (magistralmente interpretado por Hopkins) um jogo psicológico com uma tensão absurda, claustrofóbico, não sei como Jodie Foster conseguiu ficar ao lado de Hopkins. Esse clima de claustrofobia não apenas pelos jogos de câmera (que percorre todo o ambiente como um lobo caçando), ou pelas interpretações magistrais, mas também pela excelente fotografia e pelas locações, repletas de corredores, portas e vidros. Tudo sem exagero. A gente entra em Clarice e absorve tudo o que ela sente.



Anthony Hopkins é a alma do filme. A impressão é que contrataram um serial killer de verdade para a obra parecer o mais real possível. Sua interpretação é uma grande marca deixada na história do Cinema. Aqui o astro se consagra de vez e plenamente. Hopkins consegue criar um personagem tão penetrante, tão evasivo, que fica difícil acreditar numa superação por algum outro personagem que possa ser criado (temos alguns aprendizes e alguns antecessores, mas que no máximo se igualam a genialidade do ator galês). Jodie Foster também dá um show à parte. Sustentada por Hopkins, não deixa o nível alto de interpretação cair em nenhum momento. Não é a toa que não ficou apenas vendo seu amigo Hopkins ganhar o Oscar de melhor Ator em 1992, ela também teve o dela de Melhor Atriz. Os dois prêmios merecidíssimos. O filme ainda levou o Oscar de Melhor Filme, Melhor Diretor e Melhor Roteiro Adaptado.




As cenas de canibalismo que foram introduzidas no filme também são de um primor incontestável, pois envolvem todo um tom animalesco e uma teatralidade no agir da personagem e, ainda, vão causando cada vez mais medo e, é sério, apreciação. O espectador aprecia a personagem Lecter, com culpa, mas aprecia. É uma união do bom e do ruim. Uma desconstrução maniqueísta de valores éticos e morais.

O Silêncio dos Inocentes teve algumas, por falta de uma palavra melhor, continuações. Não gosto de chamar assim porque nenhum outro filme, Hannibal (2001) e Dragão Vermelho (2002), faz jus ao que foi e é O Silêncio dos Inocentes e Hannibal Lecter para o Cinema como um todo. Acho injusto atrelar a imagem desses filmes à imagem da obra de Demme.

Temos então uma obra prima sobre psicopatia, de como ela existe e de como ela pode estar no mais improvável ou provável dos seres.

4 comentários:

  1. Genial, como sempre um texto muito bem escrito gustavo, fascinante.
    Adorei a crítica.
    Escreva mais e me empreste mais filmes! kkkk
    Muito bom!
    saudades.

    ResponderExcluir
  2. Minha mãe precisa ler isso... é um dos filmes preferidos dela!

    Perfeito, Guzinho!!!


    Amo você!

    ResponderExcluir
  3. Maravilha Guzinnho!!
    Adoro o Hopkins, adoro quando ele começa a falar e a voz dele vai ipnotizando, adoro o olhar dele naquela máscara, ui até arrepiei!! hahah

    ResponderExcluir
  4. O livroo é otmo e o filme conseguiu transmitir aquele extase da narrativa...

    ResponderExcluir