quinta-feira, 8 de setembro de 2011

O Amor em Alguns Atos (Crítica: Namorados Para Sempre / 2010)

Você sempre machuca quem você ama
Quem você não deveria nunca machucar
Você sempre colhe a mais bela das rosas
E a esmaga até que as pétalas caiam.



O Cinema se tornou uma indústria saturada de roteiros e filmes que insistem em desvendar e desconstruir os relacionamentos amorosos. A maioria deles sempre pecam nos mesmos quesitos: às vezes, meloso e dramático demais, às vezes, fantasioso ao extremo. Claro que não é simples transmitir realidade nessas histórias, ainda mais, quando teremos o início e o fim do relacionamento. A paixão e, finalmente, a dor.

O imediatismo da dor e do amor. É isso que falta nos filmes que tentam trilhar esse caminho. Falta usar mais o olhar, usar mais os gestos e o silêncio. Pois, a verdade dos relacionamentos (quase) sempre está no olhar, no gesto. O silêncio é o caminho mais tortuoso que um roteirista pode seguir, mas, também, é onde ele pode fazer uma obra exímia se souber onde e quando colocá-lo.

Precisa-se de um roteiro que, mesmo que muito difícil, seja inovador. Precisa-se de atores que deem conta do recado, e esse não é um simples recado. Precisa-se do auxílio da fotografia, da trilha sonora. Tudo para que o espectador sinta, que tudo aquilo que foi projetado, pode acontecer ou está acontecendo com ele. Afinal, o amor e suas mazelas são muito democráticos.


Em cima disso tudo, venho dizer que encontrei uma obra que usa desse imediatismo para contar a construção e a ruína de um amor. Namorados para Sempre (Blue Valentine. EUA, 2010), não se atenha ao péssimo título nacional, conta a história de duas pessoas que tinham sonhos, “compartilharam” os sonhos, não realizaram nenhum deles, e viram tudo o que eles pensaram ter construído, ruir. As ruínas de um amor deixam cicatrizes profundas.

Cindy (Michelle Williams, a quase viúva de Heath Ledger) e Dean (Ryan Gosling) são casados e tem uma filha de cinco anos, exatamente o tempo que eles estão juntos. O longa começa mostrando o casal já depois do nascimento da filha, ela uma enfermeira, ele um faz-tudo que prefere trabalhar pouco para poder dar atenção a filha. Nesse estágio da vida do casal, vemos um relacionamento já desgastado. O filme não vai explicar passo a passo como se dá o desgaste da relação desse casal, mas, com flashbacks, a obra adota uma narrativa não linear para mostrar ao espectador o início dessa relação e a paixão que um dia tinha existido ali.

Antes de conhecer Dean, Cindy estudava para fazer medicina, ela tinha um sonho e batalhava por ele. Dean já era uma espécie de faz-tudo, sem grandes ambições. Quando se conhecem, logo de cara se vê uma química muito grande entre aquela garota e aquele jovem. Nasce uma paixão, que para um vai se tornar amor e para o outro, talvez, não passe de uma paixão. Essa é conhecida por se apagar numa certa hora. Até que surge uma gravidez indesejada e leva esses dois atores sociais a construir uma vida juntos.


Dean é mais descontraído, menos preocupado, Cindy é mais dura, mais focada, é responsável pela pouca estabilidade financeira da família. A relação inicial dos dois é de compartilhamento e felicidade mútua, é triste ver a situação que os dois chegam passado essa meia década. O diretor e roteirista Derek Cianfrance soube utilizar muito bem até mesmo o contraste das cores. No início, o filme é colorido, quente, depois, com o passar dos anos, a tela recebe um azul muito frio. A trilha sonora também aumenta essa sensação de estarmos assistindo a própria construção da realidade.

É jogado nos 112 minutos de projeção todos os motivos pelo qual a relação caminhou para esse desfecho. Apesar, de Cindy estar completamente usurpada pelo companheiro, e de criar, por ele, um sentimento parecido com ódio, Dean ainda vê chances de salvar esse amor. Porém, parece que ele foi o único que deixou que a relação evoluísse para o amor, Cindy parou na paixão e, como já era previsto, esta se apagou. Cindy abriu mão de muito mais coisas que Dean para viver esse romance, é nítido o quanto ela se sente violada.

É no olhar de Cindy que vemos o quanto ela está incomodada com o marido, o quanto ela já não o suporta vê-lo, ela não engole nem a afinidade crescente entre pai e filha. A mulher agora está saturada e aquela menina que um dia transgrediu regras, dançou na rua ao som do ukulele de Dean e um dia pensou que poderia viver com ele para o resto da vida, não existe mais. Dean ainda mantém sua canastrice, suas brincadeiras para tentar descontrair a esposa, tudo em prol de uma vida feliz, só ele ainda vê futuro com Cindy, só ele vai tentar fazer por onde não perdê-la. Não se engane em achar que Cindy é a vilã da história, o filme te dará inúmeros motivos para que você pense o contrário.


A química entre os dois atores é fascinante. Cada segundo de filme é deles. É impressionante a colaboração feita entre diretor e atores. Michelle Williams, indicada ao Oscar de Melhor Atriz pelo papel, está um espanto. A atriz exala feminilidade e toda a angústia de uma mulher tomada pela desesperança. Ryan Gosling, não fica atrás, auxiliado pelo seu carisma, o ator mostra também que é um dos grandes profissionais do cenário indie. Os dois atores imergiram a fundo nos personagens, conviveram um mês antes do início das gravações e, por isso, tudo se torna tão real. O espectador é afetado por todo esse incômodo que gira em torno das personagens e isso só é possível pelo trabalho incrível feito pelos dois atores. Vale ressaltar que não existe concessões ao espectador, as cenas são impactantes e dolorosas, tanto para eles quanto para nós.

O tumultuoso final é inevitável. Não se dá chance de reconstrução. Por mais que um tente ou por mais que os dois mergulhem de cabeça na salvação desse casamento, os dois já estão num nível muito avançado de mudança de sentimento. Talvez ele também não a ame mais, talvez ele só pense no bem estar da filha. A medida que vamos conhecendo Cindy e Dean, mais nos convencemos de que o casal não passará imune e, muito menos, vencerá essa crise.


O estilo de filmagem escolhido por Cianfrance parece-me o mais correto. Ora, ele aproxima-se do personagem, para mostrar através dos olhos todo o sentimento que o aflige, ora, ele desfoca a câmera de qualquer ponto naturalmente visível para evidenciar a perda da razão e do bom senso dos personagens. Na fase inicial do amor dos dois, o diretor optou por uma câmera ágil, que desfilasse e brincasse entre os protagonistas. As cores e as câmeras são totalmente dependentes do roteiro. Isso é genial. O diretor captura com perfeição cada instante dessa montanha russa numa descida sem fim.

O filme é um trabalho emocionalmente devastador, de personagens emocionalmente devastados e assustadoramente reais.

Os seres humanos tratados aqui são como todos os outros: erram, magoam, arrependem-se. O espectador se vê preso na história árdua desse casal que simplesmente viveu o que cada um lhe proporcionou. Amor não basta. Se não houver cuidado ele desaparece, ou nem surge. O erro não é difícil de encontrar nem de assumir, mas é inaceitável. Não se tem espaço para errar, não se tem espaço para voltar, não se tem condição de reconstruir. A dor passa a comandar. O que está feito, está feito.



Essa foi a "crítica" mais difícil que eu já fiz na vida.

2 comentários:

  1. Foi difícil, mas pode ter certeza que o resultado foi ótimo. Mravilhoso post, guzinho! Você tem esse ai pra gente assistir juntos?

    beijos

    ResponderExcluir