terça-feira, 17 de janeiro de 2012

Alice no País das Maravilhas (Crítica: Garota, Interrompida / 1999)

“Talvez eu fosse louca, talvez fossem os anos 60 ou talvez eu fosse uma garota, interrompida.”
Susanna Kaysen.



Nesses últimos dias estava pensando em Winona Ryder. O que deu errado para Winona Ryder? De estrela ascendente nos anos 90 à escória hollywoodiana. Aonde foi que tudo começou a desmoronar? Daí eu descobri que tudo foi por água abaixo depois de Garota, Interrompida (Girl, Interrupted. EUA,1999). Não é tão simples entender a derrocada na carreira de Winona Ryder, mas podemos tentar.

Winona entrou nos anos 1990 como uma das mais requisitadas atrizes. Trabalhou com Tim Burton no inquestionável Edward- Mãos de Tesoura, com Scorsese em A Época da Inocência, onde garantiu sua primeira indicação ao Oscar, fez Minha Mãe é uma Sereia, Drácula e Adoráveis Mulheres. Winona trilhava um caminho de veras semi-glorioso, tudo indicava que seu momento chegaria, que seu Oscar viria, que sua consagração e seu respeito finalmente seriam expostos. Quem diria que o projeto da sua vida seria também sua pior tentativa? E foi.



Winona Ryder entrou com uma das produtoras de Garota, Interrompida, se envolveu de corpo e alma no projeto, angariou o papel principal e foi fazer aquele que deveria ser o papel de sua vida. James Mangold, que mais tarde viria a filmar Johnny & June, entrou como o diretor do projeto.

Esquecendo um pouco a história de Winona, que logo mais será retomada, vamos ao filme. O roteiro foi baseado no livro de Susanna Kaysen, publicado em 1994, que conta a história da própria autora e de seus dois anos, 1967 e 1968, numa clínica psiquiátrica, quando foi diagnosticada com um distúrbio de personalidade, após uma suposta tentativa de suicídio.



Sim, quem interpreta Susanna é Winona Ryder, de forma alguma Winona faz feio, mas tinha uma certa “rebelde” que ia acabar ofuscando todo o seu brilho. Vinda de uma família rica e com um nome a se preservar, Susanna não se importava com os estudos, só tinha uma vontade: ser escritora. Após tomar um vidro de aspirina com quatro litros de vodca, na tentativa de curar uma dor de cabeça, Susanna é internada e diagnosticada como uma “rebelde sem causa”, mais precisamente, uma jovem de personalidade dúbia. Como forma de tentar curar a doença da filha, os pais a mandam para a reabilitação e é lá que Susanna acaba, realmente, tendo contato com a loucura que aflige o ser humano.

A reabilitação abriga meninas consideradas não-capazes pela sociedade. Susanna, logo que chega, conquista uma rede de amizade, que vai desde a perturbada personagem de Brittany Murphy (finada) até a sociopata Lisa, personagem de Angelina Jolie, com quem Susanna nutrirá uma relação que vai do amor ao medo. Chegamos então a grande pedra no sapato de Winona Ryder, e esta recebe o nome de Angelina Jolie. De forma que todas as atrizes estão bem, incluindo a enfermeira, interpretada por Whoopy Goldberg, e a dona do hospital, personagem de uma Redgrave, Vanessa, imaginou-se que o grande destaque do filme ficaria por conta da protagonista, mas não. Angelina Jolie construiu uma personagem tão complexa e madura, que a atuação de Winona se perdeu em qualquer minuto de projeção. Lisa nos faz sentir ódio, compaixão, amor, coragem e mais uma porrada de sentimentos.



A personagem de Angelina Jolie, significa no filme, a tentativa de planificação da situação dos internos. Aquilo não é uma colônia de férias, e sim, o descaso e o preconceito da sociedade atuando da forma mais perversa sobre o “eu” de cada uma. A personagem é uma sociopata, claro, mas é a força combatente do sistema. É a serpente do paraíso que atraí e manipula Eva e Adão. Angelina Jolie foi coroada com um Oscar de melhor atriz coadjuvante. Winona, essa não foi indicada e passou completamente despercebida pelas premiações. O buraco onde ela plantaria sua árvore serviu de cova para sua carreira. Logo depois, vieram as polêmicas com os assaltos em Nova Iorque e alguns filmes tão medíocres quanto seu fim.

O filme promove um debate entre os limites da sanidade e da loucura tendo como suporte uma história real, por hora, nos remete a Um Estranho no Ninho. O que é loucura? Pense nessa pergunta. Quem define o que é loucura? Seria uma velha conhecida nossa: a Indústria Cultural? Seria nosso berço, nossa cama, nossos lençóis, travesseiros e cadernos? Aí me vem Alice no País das Maravilhas na cabeça: Não seriam os loucos as melhores pessoas do mundo? Garota, Interrompida coloca uma mão de pregos na sua frente. Você recebe o tapa na cara ou não?



Sobre Garota, Interrompida, fica a dica para assistir o filme, que ainda traz o ator/cantor Jared Leto como o namorado da personagem de Winona. O filme tem uma base muito forte, que é o roteiro baseado numa história real. A parte técnica do filme também é admirável, possui uma fotografia interessantíssima e todo o clima que a direção de arte conseguiu jogar dentro do hospício também garante todo um ritmo essencial ao filme.

A trilha sonora reservou grandes surpresas. Recheada de grandes mitos da música como o The Band e The Mamas and the Papas, um verdadeiro deleite para os fãs da música genial que habitou os anos 60.



A crítica dessa vez foi curta. Primeiro, porque o filme não tem segredo, é um brigadeiro bem enrolado e bem enfeitado; segundo e último, o que eu queria mesmo era mostrar como, mesmo sem querer, uma atuação brilhante pode afundar com a carreira de um colega de trabalho. A culpa não é toda de Angelina Jolie nem de Garota, Interrompida, que eu repito: é um filme muito bom. Mas, com certeza, foi após a feitura dessa obra, que Winona Ryder perdeu literalmente sua sanidade.

sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

Acostamento (Crítica: Direito de Amar / 2009)

"Ela simplesmente veio"



O que é preciso para se fazer Cinema? Um bocado de dinheiro junto a uma dose mínima de talento, seja ele em qualquer ramo da produção, e a colaboração de bons atores? Diga-se de passagem, um bom bocado de dinheiro. Foi assim que o estreante Tom Ford fez seu primeiro trabalho para o Cinema. Estilista respeitado por reerguer a Gucci, uma das marcas mais famosas do planeta, Ford decidiu navegar por novos mares, sim, o da grande tela. Deve ser pontuado que em seu primeiro trabalho, mesmo que recheado de uma visível inexperiência, o Sr. Ford não faz feio.

Porém, destaca-se em Direito de Amar (A Single Man. EUA, 2009) uma linha que não vai muito longe do que o diretor/estilista está acostumado a fazer. O que se prima nessa obra, apesar de trazer grandíssimas atuações e um roteiro até bem embasado, é a direção de arte. A história se passa em Los Angeles, que deveria ser ensolarada, enraizada de cores e vida, mas toda essa vibração parece ter sido sugada pela pele e os olhos de seus personagens depressivos, que desfilam em roupas sob medida e óculos que mascaram qualquer tipo de sentimento.



Ford escolheu adaptar para o Cinema a obra do britânico Christopher Isherwood, datada de 1964. O livro, na época, causou muita polêmica por contar a história de um dia do professor universitário homossexual, que perdeu seu companheiro de dezesseis anos. Não entendo por que o título não poderia ser “Um Homem Só”, preferiram ludibriar o espectador com um título que não mostra e muito menos prova alguma coisa. Porém, isso é normal e sempre devemos estar preparados para um título deprimente. Enfim, ainda acho que o título é e deveria ser a menina dos olhos de qualquer filme.



Bom, durante a projeção, acompanharemos um dia da vida do agora solitário George Falcones (interpretado pelo gentleman Colin Firth), como eu já disse, um professor universitário e homossexual, que luta todo os dias com a dor da perda de seu companheiro, interpretado pelo simpático Matthew Goode. Porém, assistiremos exatamente o dia que George decide pelo suicídio como forma de calar sua dor. Ainda teremos na película a companhia de coadjuvantes de luxo, como a única amiga de George, a também solitária Charley (a magnífica Julianne Moore), mas que apesar da solidão busca companhia no luxo e no álcool. Como forma de reviver algum tipo de sentimento e de dúvida, tangendo alguma nova chance na vida de George (tentativa de iludir o espectador), surge um de seus alunos, que se interessa pelo modo de vida do professor, após uma aula em que George esfrega a cara do medo e do preconceito perante sua sala. O aluno é interpretado por Nicholas Hoult, um dos adolescentes do cultuado Skins (britânico).



O roteiro não tem muito segredo. O desafio de Tom Ford fica por conta de tentar transmitir os sentimentos de seu protagonista além da tela. Senão fosse a brilhante atuação relativamente contida de Colin Firth isso teria sido muito mais difícil, mesmo assim, ator nenhum faz milagre sozinho.

Tom Ford preocupou-se tanto com a estética de sua obra que acabou dando margem pra alguns recursos um tanto baratos, como o uso de flashbacks primários, em horas inoportunas, na tentativa de explicar um pouco da relação entre George e Jim, o companheiro morto em um acidente de carro. Nesse âmbito, fica difícil exprimir o tanto de sentimentalismo que essa obra necessitava. Afinal, o buraco era muito mais embaixo. A história é bela e delicada, mas falta uma mão mais forte na direção, que não tente apelar tanto para a beleza geral da obra, que parece mais um desfile de moda do que com uma obra cinematográfica. Agora, vou parecer um tanto contraditório e peço que vocês tentem me entender. É uma delícia ver aquele tanto de pessoas bonitas na tela, com olhos azuis explodindo atenção, ternos adequadíssimos, gravatas com nós perfeitos, blusas, cabelos e maquiagem irretocáveis, porém, isso não é Cinema. Cinema vai muito além de uma direção de arte fabulosa. Acho que se fosse um Mike Nichols na direção, que consegue exprimir cada sensação e transpor ao importante espectador, aí sim, o filme seria um estouro.



Fora esse problema, que não é tanto um problema, a trilha sonora, embora belíssima, também pesa na cabeça do espectador, poderia ter sido usada com mais afinco, com mais percepção dos personagens, dos singulares momentos de cada um.

O filme ainda que com esses problemas, continua bem acima da média. Isso se deve principalmente aos seus atores. Colin Firth prova que deve ser o mais genial ator de sua geração. A cena em que ele descobre a morte do companheiro é digna de aplausos, transmitindo os sentimentos aos poucos, jogando para o espectador cada pontada de sua dor, tudo paulatinamente. O inglês foi reconhecido com uma indicação ao Oscar e com um prêmio Bafta. Firth é um desses atores que surpreendem no gesto, no olhar e num simples caminhar.

Como eu já disse, o ator é acompanhado por um elenco de coadjuvantes no mínimo luxuoso. Julianne Moore que interpreta uma mulher de moral decadente e solidão em estágio avançado, brilha em apenas uma cena, na qual ela e Firth parecem dois gladiadores jogando as decepções e mágoas na cara do outro. Pra você ter uma ideia, a cena acaba com os dois dançando uma balada tipicamente luxuosa, como a cena e os dois atores devem ser definidos. Nicholas Hoult não deixa a peteca cair, também consegue ser pilar para Firth sem problema algum. O filme ainda trás Ginnifer Goodwin, uma dessas atrizes de comédia romântica, que vem crescendo em Hollywood.



Matthew Goode fica pouco em cena, mas consegue deixar impresso todo o seu carisma e a razão de todo o sofrimento de Colin Firth. Tom Ford se revela um bom diretor de atores, no final das contas.



Num filme onde a estética foi priorizada, não é surpresa que falhas aparecessem. Porém, são falhas que ao mesmo tempo se traduzem em qualidades. Não é errado ter uma encantadora fotografia, que encontra no bege a essência de todos os desafios das personagens, não, não é errado, mas tudo deve ser pensado, e o principal é a relação que o filme tem que estabelecer com quem o vê. Direito de Amar fica no meio do caminho. Te causa comoção, mas não faz rolar nenhuma lágrima, te causa apreensão, mas você vai no banheiro sem arrependimentos, te leva a viajar numa belíssima fotografia, mas o transporte quebra na beira da estrada.

quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

Me Mira, la Muerte (Crítica: Volver / 2006)

“Guardo escondida uma esperança humilde, que é toda a fortuna do meu coração.”



Não sei como as pessoas reagiriam a uma opinião um tanto radical, mas acredito que não existem diretores tão talentosos, em atividade, como Lars Von Trier e Pedro Almodóvar. Dois diretores europeus que enfileiram obra prima atrás de obra prima. Lars com o seu recente Melancolia (2011) provou que, por mais que fale merda, é um gênio inquestionável. Não tem medo de ousar e mesclar ficção com os maiores medos e segredos do ser humano. Já Almodóvar encabeça a lista do melhor filme da década, o esplendoroso Fale com Ela. Também é dele genialidades como Tudo Sobre Minha Mãe (1999), Carne Trêmula (1997) e Má Educação (2004). Após quatro trabalhos consecutivos, em que presenteia o mundo com exímias obras de criatividade inesgotável, Almodóvar escreveu e dirigiu Volver (Espanha, 2006).

É incrível como bastam dois minutos de projeção para reconhecer um trabalho de Almodóvar, e isso não tem nada a ver com repetições, muito pelo contrário. Almodóvar é conhecido por ser um dos, senão o mais, brilhante diretor em exercício pela sua criatividade, pela plástica visual de seus filmes (talvez esse seja o fator maior de reconhecimento), pelo potencial infindável de eleger tramas e subtramas tão interessantes e encadeadoras de uma complexidade e um charme único.



Volver está longe de ser seu melhor trabalho, mas mesmo assim pode receber a alcunha de indispensável. Para filmar a película, Almodóvar voltou às raízes de uma Espanha estritamente rural, em que apresenta para o público o choque de mentalidades tomadas por superstições com a mentalidade uma Madri explodindo modernidade. O diretor voltou também a focar no universo feminino, na reação da mulher como força motriz de diversas situações inusitáveis, como a morte e o crime. Os homens não merecem nem um terceiro plano, são totalmente excluídos e só aparecem para dar fomento a complexidade do universo feminino, construído com muito bom humor e delicadeza pelo diretor espanhol.

Tente fazer a sinopse de um filme “Almodovariano” e veja como é quase impossível. Isso se deve a quantidade de curvas e portas do roteiro, quando você acha que tudo pode perder o sentido, o diretor tira uma carta na manga e te bota de joelhos em frente a sua película.

Volver envolve drama e comédia, recheada com uma boa dose de humor negro, mas de uma delicadeza insuperável. O filme conta a história de duas irmãs: Raimunda (Penélope Cruz) e Sole (Lola Dueñas). A primeira é uma mãe de família belíssima, que dá duro pra manter a filha Paula e o marido desempregado. A segunda mantém um salão de cabeleireiro ilegal dentro de casa e foi abandonada pelo marido. Em comum, as duas deixaram o vilarejo La Mancha, no inteiror da Espanha, e foram viver em Madri, além disso, perderam os pais num incêndio nesse mesmo vilarejo.



Atente ao fato de que Volver (no português, voltar) toca a todo o momento na questão da morte, em como ela é passado, presente e futuro. A morte também rondará as duas irmãs, Raimunda precisa esconder o corpo do marido Paco, o qual a filha matou após uma tentativa de abuso sexual. Sole convive com o aparecimento repentino do fantasma da mãe Irene (Carmen Maura, que volta a fazer uma brilhante colaboração com o diretor espanhol), após o falecimento de sua tia Paula, no antigo vilarejo, lugar que simbolizará a morte e os fantasmas da vida dessas irmãs. Uma esconderá da outra e se tornarão segredos escondidos no coração de cada uma. Junto a essa trama, surge Agustina (Branca Portillo), uma mulher sozinha, que após o falecimento de Tia Paula, descobre que foi acometida por um câncer e como última ação, deseja encontrar a mãe que sumiu na mesma data do incêndio que vitimou Irene e o marido. Perceba como a morte enfrenta os personagens, botando-os a todo instante de cara com o passado. Por que o passado? A película de Almodóvar é uma agulha que pica a gente durante todo o filme, a morte está parada em todos os cantos, a qualquer momento ela pode olhar diretamente nos seus olhos e te levar embora. Como a Irene fantasma, que “volta” para pedir perdão a filha Raimunda por seus olhos cegos do passado. A morte é como um moinho movido pelo vento de La Mancha.

É incrível a capacidade que Almodóvar tem de levar o filme por um caminho e de repente fazer uma curva brusca e direcionar a obra para outro caminho. O espectador não se perde, se mantém atento a cada salto de seu roteiro genial, a cada sutileza colocada em destaque em dado momento do filme, se delicia com os tons quentes envolvendo as ainda mais quentes mulheres latinas. O vermelho e o verde nos lembram a pimenta, e é tudo o que essa história é, uma dose apimentada de calor humano aos nossos olhos, ouvidos e alma.



Penélope Cruz, que antes de ganhar seu Oscar por Vicky Cristina Barcelona(2008), de Woody Allen, era muito criticada por qualquer papel que fizesse em território ianque. Eu hei de concordar com a maioria, acredito que a barreira da língua seja um obstáculo intrasponível para Penélope, mesmo no aug3e de sua beleza e talento. Nunca você verá a sensualidade e o brilho dos olhos dessa fascinante atriz em filmes que ela não fale sua língua materna, até mesmo no aclamado filme de Allen, onde ela também apela para um inglês carregadíssimo do sotaque madrilenho. Penélope brilha do começo ao fim do filme, desde o instante em que recolhe a arma do crime na cena, digamos que, hitchcockniana do assassinato do marido e a lava com uma câmera vinda do alto, valorizando seu belo busto. Penélope está quente, uma leoa, abandonada pelo parceiro, e protegendo sua cria. Como Allen fez com Diane Keaton em Annie Hall, Almodóvar faz uma linda declaração de amor a Penélope com Volver, com direito a uma indicação ao Oscar de Melhor Atriz, o primeiro de uma atriz espanhola.



Porém, havemos de concordar que Cruz não é nenhuma Meryl Streep, e não teria potencial nenhum para carregar o filme nas costas. É por isso que há volta de Penélope se encontram atrizes tão grandiosas quanto ela. Carmen Maura, que depois de Mulheres À Beira de Um Ataque de Nervos (1988), não tinha feito mais nada com Almodóvar, volta brilhante e seduzindo o espectador com suas cômicas aparições e desaparições. Branca Portillo num papel muito difícil não dá chances ao algoz, mergulha na fragilidade da personagem e entrega uma atuação digna de Oscar. Cannes premiou o elenco de Volver pelo conjunto. Merecidíssimo.



Almodóvar mostra que a narrativa não está em queda no Cinema, o negócio é saber usá-la ao seu favor. O diretor mergulha num universo do qual tem extremo conhecimento, mas não vivência, nem por isso a vida de sua obra se pareça menos luminosa ou um tanto caída, o diretor sabe como compensar isso. Pedro Almodóvar seduz o espectador apenas devotando suas esplendorosas personagens e intérpretes. O resultado é um trabalho genial, dotado de sentidos e marcas tão características do diretor. Pela sua generosidade, Almodóvar deixou que suas atrizes fizessem todo o balé e imprimissem a fortaleza da mulher em sua obra.

terça-feira, 27 de dezembro de 2011

Tinha Que Ser Você (Crítica: Noivo Neurótico, Noiva Nervosa / 1977)

"O amor é uma palavra muito fraca para definir o que eu sinto"



Sobre o filme a ser resenhado hoje eu quero dar vazão a dois principais aspectos: primeiro, é uma aula magnífica de Cinema, de experimentalismo, de inovação e ousadia; segundo, existem dois grandes filmes que abordam toda a especificidade dos relacionamentos amorosos como nenhum outro, aqueles que tocam na ferida aberta ou fechada e que te levam a um mar de reflexão inabitável, em que você é você mesmo no mais alto grau de crueza, despindo todas as dúvidas perante nossos olhos. O primeiro é um drama, trata-se do maravilhoso Closer – Perto Demais (2004), do gênio Mike Nichols, filme que traz, além de um elenco estelar afiadíssimo, uma nova roupagem a promiscuidade e realidade dos casos amorosos. O segundo não fica longe, é outro trabalho magnífico de outro gênio do Cinema, e assustadoramente trata-se de uma comédia romântica. É o clássico dos clássicos de Woody Allen, Noivo Neurótico, Noiva Nervosa (Annie Hall. EUA, 1977).

Você já parou pra pensar quando foi que o Cinema começou a inovar nas formas de se fazer um filme? Você deve imaginar que o Cinema não foi o que ele é hoje desde sempre. Por exemplo, em 1977 não era comum criar histórias que não seguissem a lógica do tempo, tampouco, a linearidade era regra, mas também não era usada (ou ousada). Por isso, o clássico de Woody Allen se tornou tão atual e expressivo em qualquer época do século. Ele ousa, sem deixar o espectador perdido, ele inova, sem que o espectador perceba, ele filma, sem que o espectador se preocupe.



Annie Hall, título original do filme, começa com o personagem de Woody Allen, Alvy Singer, num momento de reflexão, em que tenta desvendar as causas do fim de seu namoro com Annie (Dianne Keaton, linda). “Annie e eu terminamos, e eu não consegui tirar isso da minha cabeça”, é dessa forma que a obra começa e, a partir daí, veremos do começo ao fim tudo o que acometeu o casal.

Alvy, um judeu e comediante meramente famoso, é um cara neurótico, obsessivo, apaixonado por mulheres e por Nova York (é o mesmo personagem de Manhattan numa situação diferente), a crítica especializada diz que é o próprio Allen montando sua cinebiografia. O cara é crítico com as maiores besteiras do dia a dia, tagarela ao extremo, porém, todo o seu charme habita na sua ansiedade mesclada com sua impulsividade hipócrita. Annie Hall é quase que o oposto de Singer, uma cantora de bar, meio amalucada, e que só faz sexo depois de fumar maconha. O que esses dois tinham em comum? O que poderia dar certo nesse meio? A resposta? Um filme. Um grande filme.




Como já disse, Woody Allen quebra com todas as regras supostamente ditadas para filmar seu clássico. O tempo vai e volta sem nenhuma obrigação com as personagens, que entram e saem do filme e logo são esquecidas. Numa das cenas mais hilárias da obra, Annie e Alvy estão na fila do cinema, enquanto um metido a intelectual logo atrás deles bombardeia a companheira com as teorias do filósofo da comunicação de massa, Marshall McLuhan. Irritado, Alvy, sai da fila e detrás de um cartaz, ele puxa o próprio McLuhan pra dizer ao tal sujeito que ele não entendeu nada do que ele escreveu. Quando que no cinema nós teríamos uma interferência tão grande da realidade? Como que seria possível dar credibilidade a esse tipo de roteiro? Simples. Tudo se encaixa perfeitamente. Allen ironiza o próprio relacionamento e a forma como ele deduz que tudo pode ter dado errado.

Outras inovações também são muito pertinentes, como os momentos em que o personagem de Allen fala diretamente com o espectador, tentando explicitar algum ponto que possa ser menosprezado, ou então, nos momentos em que Annie e Alvy voltam em cenas do passado e começam a analisar, de corpo presente, as atitudes de cada um. Allen interfere de forma sublime na força narrativa do Cinema. Não impõe nada, sugere, experimenta e ganha nada mais nada menos que 4 Oscar nas principais categorias. A academia surpreendeu e foi surpreendida. Uma obra de comédia que leva o Oscar de Melhor Filme, Diretor e Roteiro é uma “transgressão” e tanto.



Quanto ao relacionamento do casal e porque eu acho que este filme se tornou um exemplo fabuloso de obras que abordam os relacionamentos amorosos, fica difícil explicar. O casal formado por Keaton e Allen é único, mas ao mesmo tempo muito próximo. O ritmo acelerado que o diretor conseguiu imprimir aos personagens e a narrativa faz com que a gente delicie essa obra quase que sem outra opção. Quando me dei conta o filme tinha acabado, minha opinião formada e, infelizmente (ou felizmente), inexplicável.




Annie Hall parece ser a mulher que todo o homem quer do seu lado, créditos a Diane Keaton, que levou o Oscar de Melhor Atriz por encarnar essa subversiva dos relacionamentos e também da moda. O figurino da atriz, que é composto por gravatas e coletes, algo mais masculino, virou febre entre as americanas no fim da década de 70. Keaton está perfeita, consegue ser leve e real sem ultrapassar limite nenhum. Woody Allen compôs o mesmo cara de sempre, embora, esteja perfeito, não soma nada ao currículo dele como ator. É como ele é, e eu não consegui me desprender disso. Confesso que me cansei dele quando ele chegou em Los Angeles a procura de Annie.

Allen é conhecido por ter uma língua afiadíssima, por conseguir trabalhar com a ironia e as críticas principalmente nas falas de seus personagens e não no visual, que sim, nessa época não era uma de suas grandes preocupações. Noivo Neurótico, Noiva Nervosa está em ebulição de novas ideias, de ironias preparadas pra voar na cara do espectador, de bom humor escrachado e implícito, de dores, fracassos, amores e planos, mas, na verdade, não passa de um puta de um filme de um baixinho ácido e louco por jazz. Acima de tudo, Annie Hall é uma declaração de amor a Diane Keaton.