terça-feira, 27 de dezembro de 2011

Tinha Que Ser Você (Crítica: Noivo Neurótico, Noiva Nervosa / 1977)

"O amor é uma palavra muito fraca para definir o que eu sinto"



Sobre o filme a ser resenhado hoje eu quero dar vazão a dois principais aspectos: primeiro, é uma aula magnífica de Cinema, de experimentalismo, de inovação e ousadia; segundo, existem dois grandes filmes que abordam toda a especificidade dos relacionamentos amorosos como nenhum outro, aqueles que tocam na ferida aberta ou fechada e que te levam a um mar de reflexão inabitável, em que você é você mesmo no mais alto grau de crueza, despindo todas as dúvidas perante nossos olhos. O primeiro é um drama, trata-se do maravilhoso Closer – Perto Demais (2004), do gênio Mike Nichols, filme que traz, além de um elenco estelar afiadíssimo, uma nova roupagem a promiscuidade e realidade dos casos amorosos. O segundo não fica longe, é outro trabalho magnífico de outro gênio do Cinema, e assustadoramente trata-se de uma comédia romântica. É o clássico dos clássicos de Woody Allen, Noivo Neurótico, Noiva Nervosa (Annie Hall. EUA, 1977).

Você já parou pra pensar quando foi que o Cinema começou a inovar nas formas de se fazer um filme? Você deve imaginar que o Cinema não foi o que ele é hoje desde sempre. Por exemplo, em 1977 não era comum criar histórias que não seguissem a lógica do tempo, tampouco, a linearidade era regra, mas também não era usada (ou ousada). Por isso, o clássico de Woody Allen se tornou tão atual e expressivo em qualquer época do século. Ele ousa, sem deixar o espectador perdido, ele inova, sem que o espectador perceba, ele filma, sem que o espectador se preocupe.



Annie Hall, título original do filme, começa com o personagem de Woody Allen, Alvy Singer, num momento de reflexão, em que tenta desvendar as causas do fim de seu namoro com Annie (Dianne Keaton, linda). “Annie e eu terminamos, e eu não consegui tirar isso da minha cabeça”, é dessa forma que a obra começa e, a partir daí, veremos do começo ao fim tudo o que acometeu o casal.

Alvy, um judeu e comediante meramente famoso, é um cara neurótico, obsessivo, apaixonado por mulheres e por Nova York (é o mesmo personagem de Manhattan numa situação diferente), a crítica especializada diz que é o próprio Allen montando sua cinebiografia. O cara é crítico com as maiores besteiras do dia a dia, tagarela ao extremo, porém, todo o seu charme habita na sua ansiedade mesclada com sua impulsividade hipócrita. Annie Hall é quase que o oposto de Singer, uma cantora de bar, meio amalucada, e que só faz sexo depois de fumar maconha. O que esses dois tinham em comum? O que poderia dar certo nesse meio? A resposta? Um filme. Um grande filme.




Como já disse, Woody Allen quebra com todas as regras supostamente ditadas para filmar seu clássico. O tempo vai e volta sem nenhuma obrigação com as personagens, que entram e saem do filme e logo são esquecidas. Numa das cenas mais hilárias da obra, Annie e Alvy estão na fila do cinema, enquanto um metido a intelectual logo atrás deles bombardeia a companheira com as teorias do filósofo da comunicação de massa, Marshall McLuhan. Irritado, Alvy, sai da fila e detrás de um cartaz, ele puxa o próprio McLuhan pra dizer ao tal sujeito que ele não entendeu nada do que ele escreveu. Quando que no cinema nós teríamos uma interferência tão grande da realidade? Como que seria possível dar credibilidade a esse tipo de roteiro? Simples. Tudo se encaixa perfeitamente. Allen ironiza o próprio relacionamento e a forma como ele deduz que tudo pode ter dado errado.

Outras inovações também são muito pertinentes, como os momentos em que o personagem de Allen fala diretamente com o espectador, tentando explicitar algum ponto que possa ser menosprezado, ou então, nos momentos em que Annie e Alvy voltam em cenas do passado e começam a analisar, de corpo presente, as atitudes de cada um. Allen interfere de forma sublime na força narrativa do Cinema. Não impõe nada, sugere, experimenta e ganha nada mais nada menos que 4 Oscar nas principais categorias. A academia surpreendeu e foi surpreendida. Uma obra de comédia que leva o Oscar de Melhor Filme, Diretor e Roteiro é uma “transgressão” e tanto.



Quanto ao relacionamento do casal e porque eu acho que este filme se tornou um exemplo fabuloso de obras que abordam os relacionamentos amorosos, fica difícil explicar. O casal formado por Keaton e Allen é único, mas ao mesmo tempo muito próximo. O ritmo acelerado que o diretor conseguiu imprimir aos personagens e a narrativa faz com que a gente delicie essa obra quase que sem outra opção. Quando me dei conta o filme tinha acabado, minha opinião formada e, infelizmente (ou felizmente), inexplicável.




Annie Hall parece ser a mulher que todo o homem quer do seu lado, créditos a Diane Keaton, que levou o Oscar de Melhor Atriz por encarnar essa subversiva dos relacionamentos e também da moda. O figurino da atriz, que é composto por gravatas e coletes, algo mais masculino, virou febre entre as americanas no fim da década de 70. Keaton está perfeita, consegue ser leve e real sem ultrapassar limite nenhum. Woody Allen compôs o mesmo cara de sempre, embora, esteja perfeito, não soma nada ao currículo dele como ator. É como ele é, e eu não consegui me desprender disso. Confesso que me cansei dele quando ele chegou em Los Angeles a procura de Annie.

Allen é conhecido por ter uma língua afiadíssima, por conseguir trabalhar com a ironia e as críticas principalmente nas falas de seus personagens e não no visual, que sim, nessa época não era uma de suas grandes preocupações. Noivo Neurótico, Noiva Nervosa está em ebulição de novas ideias, de ironias preparadas pra voar na cara do espectador, de bom humor escrachado e implícito, de dores, fracassos, amores e planos, mas, na verdade, não passa de um puta de um filme de um baixinho ácido e louco por jazz. Acima de tudo, Annie Hall é uma declaração de amor a Diane Keaton.

4 comentários:

  1. Ótimo, Gustavo!
    ...E deixa o Woody Allen dizer que esse filme não é no mínimo semi-autobiográfico.
    É a cara dele, não? Ah, e adoro a cena da lagosta.

    Vou lhe dizer que eu adoro a segunda foto que você colocou no post - de cima pra baixo - próximos a "Face a Face" de Bergman. Adoro ver o Woody demonstrando o amor dele pelo cinema vanguardista europeu.
    Tem uma história dele conhecendo pessoalmente o
    Bergman, será que você já leu? Diz que eles ficaram num silêncio completo.
    "Quando dois gênios se encontram", se não me falha a memória foi a Liv Ullmann que mencionou isso numa biografia.

    Enfim, este filme é visto por muitos
    só que apreciado e reconhecido por poucos...

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Sim, Syl. Assistir Annie Hall é praticamente um bate papo de uma hora e meia com o Woody Allen. O filme é totalmente ele.

      hahaha Imagine só, Bergman e Allen...

      Excluir
  2. Boa, Gu! Rico teu texto e mostra que você, assim como eu, ama essa obra-prima! Um filme especial, pra mim. Gosto desde pequeno, lembro que não entendia algumas "sacadas" dele, mas depois de rever mais vezes e, na ultima, há uns 4 meses eu gostei ainda mais! Um roteiro muito irônico, original e imbatível! É Allen da melhor forma possível e nos surpreendendo, ainda! O filme não envelhece mesmo. Abração!

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Woody Allen é sempre contemporâneo, moderno, intimista.

      Excluir