quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Crescer ou não Crescer, eis a questão. (Crítica: Em Busca da Terra do Nunca / 2004)

Por mais que tenhamos perdido nossa inocência, o fulgor da nossa imaginação e a sensação de ser criança, nunca será tarde para reencontrar essas partes, por mais que pareça.
Escutei alguma vez, e talvez fosse eu mesmo quem me disse isso, que uma hora a gente tem que crescer. Será? Sim, adultizar é a grande ideologia da era moderna.
E porque digo isso, então? Simplesmente para dizer, logo em seguida, que eu irei contra tudo e contra todos. Minha criança agora renasce das cinzas, não como uma fênix, mas, como um capitão do mar, uma fada ou um menino voador.
E você, acredita em fadas?



Quem nunca ouvir falar de Peter Pan, o menino que não queria crescer, o guardião da terra das crianças felizes e descalças, da terra de fadas, crocodilos gigantes e vilões medonhos. Pois é, todo mundo sabe quem é o menino que voa. Peter Pan, escrito no início do último século, se tornou um dos grandes clássicos da literatura infantil e, cem anos depois de seu nascimento, ainda é constantemente adaptado para peças teatrais e vez ou outra para a grande tela do Cinema.

Já falei aqui o quão é complicada a adaptação de textos, sejam eles de peças de teatro ou simplesmente best-sellers, para o Cinema, então, não vou me aprofundar novamente nesse assunto. Vou-me ater ao que interessa: o filme da vez.

Marc Foster (diretor de A Última Ceia, filme que rendeu o Oscar de Melhor Atriz a Halle Berry) se juntou ao roteirista David Magee, que havia adaptado a história do nascimento do menino da terra do nunca de uma peça de Alan Knee, e filmou aquele que, em minha opinião, se tornou um dos filmes mais sensíveis e dramáticos no que diz respeito à mescla de realidade e fantasia. A construção é melancólica, cômica e piegas na medida certa. Na verdade, quase nunca é piegas.



Em Busca da Terra do Nunca (Finding Neverland. Inglaterra/EUA, 2003) nasceu não a partir de Peter Pan, mas, de como o escritor J. M. Barrie chegou até o ponto de construção do personagem de sua vida. Como surge a ideia da Terra do Nunca? O que são fadas? Qual o sentido de viver numa terra onde ninguém envelhece e a regra principal é brincar e ser feliz? O filme te dará todas essas respostas, em menos de duas horas você saberá quem você foi e quem você quer ser.



J. M. Barrie (o ilustre criador do mundo Peter Pan e, aqui, interpretado por Johnny Depp) está numa fase conturbada da carreira: há tempos não escreve nada que o agrade tanto e que tenha uma boa recepção, vide que sua última peça foi um fracasso. Barrie começa a frequentar um parque na periferia de Londres, aonde supostamente ia para obter inspiração para escrever sua próxima peça. Numa dessa tardes, ele conhece Sylvia Davies (Kate Winslet) e seus quatro filhos.

Parada para explicação. Reza a lenda que os integrantes da família Davies foram os grandes responsáveis pelo nascimento da história de Peter Pan.

Sylvia é viúva e mora com a mãe (a veterana Julie Christie) e os quatro filhos. Barrie fica encantado com o mundo que aquelas crianças criam em suas brincadeiras e começa a estreitar os laços com os Davies. Mais tarde, as próprias crianças estarão tão dependentes de Barrie quanto ele estará delas.

Dessa forma, o mundo de Peter Pan foi criado. A direção da obra é magnífica ao proporcionar momentos de extrema beleza, como são as cenas em que todas as crianças, Barrie e Sylvia são transportados para dentro de uma suposta realidade fantasiosa que indica qual a diversão da vez: hora eles são piratas, em mar revolto e ameaçados pelo temível Capitão Gancho, hora eles são caubóis inseridos num western, hora são crianças em busca de um pai, hora é um homem em busca de identidade.



A criança que existe em Barrie se confronta o tempo todo com a realidade tangida pela obra, ou seja, Barrie tem que enfrentar situações que vão além do seu poder de resolução, como o ciúme da esposa em relação à Sylvia, a pressão do dono do teatro que deseja ver logo os lucros de seu investimento, a mãe de Sylvia, uma carrasca (que se redime ao longo da projeção) que não vê com bons olhos a dependência das crianças pelo escritor. Barrie é uma criança que só quer brincar. Brincar de escrever, brinca de trabalhar, brincar de ser pai, brincar de ser amigo.

Entre os filhos de Sylvia, Barrie encontrará dificuldades no relacionamento com Peter (o prodígio Freddie Highmore), devido à descrença que tomou conta do menino. Após a morte do pai, Peter deixou de acreditar no poder implícito que tem uma criança, tudo o que é fantasia o intriga, tudo que diz respeito a brincadeiras o incomoda. A promessa de que o pai voltaria da guerra não se cumpriu e constituiu-se num trauma. É em Peter que Barrie concentrará suas maiores ações, o garoto passa a ser o alter-ego do escritor, o começo, o meio e o fim de tudo. As cenas mais bonitas do longa estão na relação construída entre Barrie e Peter. A inversão dos papéis, já que a criança é Barrie e o adulto é Peter, regida por uma trilha sonora espetacular, rende momentos de lágrimas incontroláveis.



Os outros desenrolares da trama fica por conta do espectador, só posso prometer que a obra é de qualidade inquestionável e que o arrependimento só virá se o grande problema for chorar na frente dos outros.

Talvez eu ainda não tenha dito aqui, mas Johnny Depp nunca foi um dos meus atores preferidos, muito pelo contrário, tenho razões para achá-lo um péssimo ator. PORÉM, aqui se encontra uma exceção. Mesmo com suas caretas de paciente de dentista e as mudanças no tom de voz (que caíram muito bem ao personagem), Depp está pela primeira vez, em muitos anos, acima da média. Só tinha visto o ator tão bem no longínquo Edward - Mãos de Tesoura. Depp demonstrou grande capacidade de entrega e permanência de espírito no personagem, em nenhum momento há distrações ou ilusões de ótica. O ator não faz drama, mas não atrapalha quem sabe fazer, vide Kate Winslet, que dispensa qualquer tipo de comentário. Johnny Depp foi reconhecido pela Academia de Cinema norte-americana com uma indicação ao Oscar de Melhor Ator, assim como a obra também foi indicada ao pêmo máximo: Melhor Filme. Mas, como a vaca sempre vai para o brejo (pelo menos no caso de Depp), o destaque não é o ator preferido de Tim Burton. A grande força da obra fica no trabalho das quatro crianças Davies, principalmente a criança interpretada pelo jovem Freddie Highmore, o ator-mirim já conquista por sua carinha de abandonado e de criança prestes a chorar, que aliado ao seu talento, rende uma explosão de interpretação.

A direção de arte do filme também dá um show à parte. A reconstrução de Londres do início do século XX está perfeita e alegre, contribuindo na medida certa para a força do filme. Chega de Londres sombria, cinza, arrebatada pela Revolução Industrial. A Trilha Sonora venceu o prêmio máximo da categoria no Oscar, ou seja, também dispensa comentários.



Acho que a mensagem principal da obra fica também por conta de cada um. Todos sabemos o que é Peter Pan e qual o valor de sua ideia em nossas vidas. Em Busca da Terra do Nunca não é fantasia, não é ficção, mas, sim, um drama que aborda a perda da inocência frente aos avanços do sistema, que interferem a todo o momento em nossas ações e decisões, é um drama que baseia toda a ideia do que é felicidade num lugarzinho no meio do nada, em que pessoas podem voar com um pózinho mágico, fadas podem morrer há cada “eu não acredito em fadas”, adultos podem ser crianças (e acredite, essa é a mensagem), e tudo está dentro da nossa cabeça, dentro da única máquina que o sistema ainda não monopolizou. O lugar mais bonito para se viver consiste no lugar em que sua criança sairá do seu corpo e entrará na primeira ciranda de roda que ela gostar. Mesmo que esse lugar seja só o porão da sua casa.

Bem-vinda de volta, criança.

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