segunda-feira, 31 de outubro de 2011

As Dores do Mundo (Crítica: Melancolia / 2011)

Todos eles anunciam o mesmo.
Todos eles anunciam o fim.




Não tem como. O fim do mundo está aí e bate na nossa porta. Tanto é que nos últimos anos, os filmes que tratam do tema apocalíptico estão aumentando consideravelmente dentro do circuito mundial de cinema. Mas, poucas vezes, você irá encontrar um filme tão soberbo quanto Melancolia (Melancholia. Dinamarca, França, Suécia e Alemenha, 2011). O mais novo filme do polêmico diretor dinamarquês Lars Von Trier é genial, consegue transpor as dúvidas de uma vida inteira para uma serenidade absurda frente ao fim do tempo humano.

Lars Von Trier, conhecidíssimo pela sua arte abstrata, dividida em capítulos, pela influência do Dogma 95, e pelo seu repúdio ao cinema norte-americano, tratou de fazer um dos melhores filmes da sua carreira. Melancolia quase afundou quando Von Trier, no Festival de Cannes, fez apologia ao nazismo alemão. Por sorte, o filme não foi atingido e até foi premiado com a Palma de Ouro de Melhor Atriz para Kirsten Dunst. O diretor, por sua vez, foi declarado como “persona non grata” pelos membros do festival francês.

Para quem já conhece a obra do diretor dinamarquês, sabe o quão complexa é a maneira de fazer cinema desse diretor. Fã de música clássica, Von Trier cria uma atmosfera muito particular dentro de seus filmes. Nesse Melancolia, até abriu espaço para um discreto humor negro. Mesmo tendo uma forma muito autêntica de fazer cinema, nenhum de seus filmes se assemelham. Dogville (2003) está muito aquém de Dançando no Escuro (2000), quanto Anticristo (2008), considerado pela crítica especializada como o melhor filme do diretor, está para Melancolia.



Porém, em todas as suas obras, Von Trier vai abrir espaço para a condição humana: a dureza da depressão em seu último e mais arrebatador grau, a ação da culpa, a auto-mutilação, o desespero solitário.

Melancolia começa com um prólogo em slow motion (coisa que Von Trier também fez em Anticristo) de poderosíssimas cenas metafóricas e subjetivas, desde uma noiva sendo agarrada por raízes de árvore, até uma mãe correndo num campo enlameado com o filho no colo. A belíssima fotografia nos leva até o choque final: a destruição da Terra. Tudo isso junto à sinfonia de Tristão e Isolda, que garante poder maior no impacto das imagens. A partir daí, Von Trier abre as cortinas para contar a história de melancolia e desespero de suas personagens.



O primeiro capítulo, recebe o nome de uma das protagonistas da história: Justine. Kirsten Dunst (no melhor papel da sua carreira) é quem dá vida a Justine. Von Trier escolheu a festa de casamento da mesma pra fazer a vida desta desmoronar de vez. Justine aparentemente está feliz com o casamento, com o noivo (Alexander Skarsgaard) e com a reunião dos amigos e familiares. A grande questão é que Justine não se sente no meio de nada disso. Abatida por uma intensa melancolia (que também dará nome ao planeta que se aproxima da Terra), conhecida por ser um estado de espírito de luto sem o contexto da perda, Justine se arrasta entre os convidados, ensaia sorrisos, foge da festa, dorme na hora de cortar o bolo, é extirpada pelo chefe (Stellan Skargaard), desacreditada pela mãe pessimista (Charlotte Rampling, sempre impecável) e prensada pela irmã controladora Claire (Charlotte Gainsboug, virei fã). O estado de espírito de Justine é justificado no prólogo, a jovem se sente presa nas raízes das árvores. A festa é catastrófica, Justine não suporta o fardo e o casamento acaba antes mesmo do fim da comemoração. Justine não se encontra, ninguém a aceita e ela mesma ainda não se entende.



A segunda parte do filme (e aqui vem todo o seu poder) se concentra na outra irmã, Claire. Claire se encontra em estado de pré-desespero com a chegada do planeta Melancholia a Terra. Segundo os grandes cientistas, o planeta só irá passar pela Terra, proporcionando uma experiência incrível. Porém, Claire ainda se mantém temerosa com uma possível colisão. Passado um tempo da catastrófica festa de casamento, Justine junta-se a Claire, ao marido da irmã (Kiefer Sutherland, consistente), metido a entendedor da órbita dos planetas e ao pequeno sobrinho. Justine chega totalmente debilitada e devastada pela melancolia que assolou seu casamento. Kirsten Dunst dá um show à parte nas cenas que se seguem no segundo capítulo, você sente a personagem se arrastar e compreendido por toda a melancolia que a assola. Quando as duas se juntam, Von Trier inicia sua obra-prima. Tentar explicar as adversidades da natureza e as ambigüidades da alma humana com qualidade não é pra qualquer um. Enquanto Claire se mantém temerosa, mas ainda confiante na hipótese defendida pelo marido, Justine passa a aceitar e ver que a colisão é inevitável. Em dado instante da obra, a irmã depressiva, num diálogo arrebatador com a irmã, diz “estamos sozinhos”, “ a terra é má e merece seu destino” e “eu sei de coisas”. Justine vê o fim e se mostra despreocupada, enquanto Claire não quer acreditar.



E aí se encontram a diferença das visões: uma é egoísta o suficiente pra não aceitar o fim, a outra é arrasada o suficiente pra entender que as coisas acabam e aceitar a finitez do próprio cosmo. É nisso que Von Trier vai focar: em como cada um pode lidar com a iminência de uma catástrofe como essa. O ser humano passa a ser uma palha e convive com situações as quais ele não possui o mínimo de controle.

Claire não aceita o fim da vida, o fim do amor, não aceita o fato do filho não ter um lugar para crescer. Justine vê o fim da dor, a tão sonhada liberdade.




Com as reações diferentes das duas irmãs, o roteiro toma seu rumo até o ponto final: a destruição de tudo e a percepção de que tudo realmente acabaria. Ver o inevitável e passar a agir em um curto período de tempo. Agarrar-se a quem sempre esteve do seu lado, construir um refúgio e esperar o fim chegar. Von Trier cria um épico em homenagem a finitez das coisas e, quem sabe, a partir dessa obra, passaremos a aceitar de maneira mais madura o fim das relações, dos ciclos e das coisas.

Ainda assim, a esperança está ali, representada com força por Charlotte Gainsbourg, que se entrega à revolta apenas na última cena, ao desespero pleno, cru, parece cortante. Mas, até o último momento, a esperança estará lá, agora principalmente no semblante de Kirsten Dunst: palpável e reconfortante.

Um comentário:

  1. 'E aí se encontram a diferença das visões: uma é egoísta o suficiente pra não aceitar o fim, a outra é arrasada o suficiente pra entender que as coisas acabam, e aceitar a finitez do próprio cosmo'.

    Ah, você fez!
    Adorei... Ficou lindo! (=
    Deu vontade de assistir!

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