quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

Ao Som de uma Gaita de Fole (Crítica: The Big C)

"Comece mudando a si mesmo. Ninguém muda o mundo se não consegue mudar a si mesmo ..."



The Big C foi a grande pérola que eu encontrei em meio as novas séries americanas. Estava pensando em fazer um post menos melancólico, sem tantas adjetivações, que acabam por ser sugestivas, mas com The Big C não dá. A série, que acabou de confirmar a terceira temporada, não me permite ser implícito ou reservado, o grau de emoção e sentimentos que ela consegue transmitir, transcende muitos grandes filmes.

A fórmula de The Big C pode ser encarada por muitos como “já batida”, muito explorada tanto pelo cinema e por séries também, como Weeds e United States of Tara, que, tem como protagonista, uma mulher e sua luta contra uma grave doença. Tinha tudo pra dar errado. Mas, essa série se configura por ser um trabalho bastante diferente. Sim, a carga de sentimentos humanos que ela consegue transmitir é muito alta, mas, ainda assim, é carregada de humor negro e cenas memoráveis com alto teor de sarcasmo. Se existe uma palavra para definir a série, essa palavra seria leveza, graças a essa mistura de drama, comédia e muito bom gosto.



Veiculada por um canal pequeno nos EUA, a Showtime, a série anda com louvor, possui um roteiro surpreendente e um elenco de primeira. No Brasil, é a HBO quem está comandando a série. Se o tema foi exaustivamente explorado por outros projetos, se o caminho a seguir poderia ser tortuoso e acabar por definhar em apenas uma solitária temporada, The Big C conseguiu driblar tudo isso.

A série foca numa personagem feminina, Cathy Jamison, interpretada com desenvoltura pela veterana Laura Linney (Conte Comigo, A Família Savage e Sobre Meninos e Lobos). Cathy é casada há vinte anos com Paul (Oliver Platt), como fruto da relação veio Adam (Gabriel Basso), um adolescente frio e misterioso aos olhos da mãe. Logo no primeiro episódio, quando somos apresentados a Cathy, descobrimos que ela possui um câncer feroz e em estágio avançado e que ela está separada do marido. Por força dessa mesma doença, Cathy sente necessidade de viver a vida, esta que ela sente que deixou passar em branco.



O foco principal do roteiro é a relação de Cathy com as personagens que entram e saem da série, deixando, cada um, uma imensa saudade e um brilho no olhar do espectador. Seja pela vizinha Marlene (Phylis Sommervile, um brinco), rabugenta e vítima de Alzheimer, que ao longo da série se torna uma grande amiga da protagonista, o marido, que ama a esposa mais que tudo, mas parece fazer tudo errado, o filho, que solta palavrões e tende a desrespeitar qualquer regra imposta pelos pais, a aluna obesa e sem papas na língua, interpretada com louvor pela preciosa Gabourey Sidibe (perdoem-me o trocadilho), o irmão Sean (John Benjamin Hackey), sujeito que vive na rua e prega as mazelas do mundo capitalista. Sem contar os interesses amorosos de Cathy, como o próprio médico, e um pintor, que ela conhece na escola onde trabalha.

A príncipio, Cathy esconde o câncer de todos, na maioria dos posts e comentários que eu encontrei sobre The Big C, os espectadores julgaram a protagonista como uma mulher egoísta e hipócrita, e talvez, isso venha de sua necessidade em repelir os sentimentos de pena das outras pessoas. Cathy não quer ser vista como uma coitada, vítima de câncer, inútil para a maioria das pessoas, muito pelo contrário, o câncer chega como um novo sopro na vida da mulher de 42 anos. O câncer vira o grande motivo de Cathy querer buscar a beleza de um diálogo com o filho, na conquista árdua de um de seus alunos, proporcionar para si mesma um alento, que permita um sono tranquilo e a sensação de dever comprido.



Por mais que pareça clichê, o roteiro consegue desvencilhar cada buraquinho que possa ser encontrado na narrativa. A série surpreende e não é pouco. É interessante e muito criativo como cada um descobre o câncer de Cathy, ou como, cada um, acha que descobre. As diferentes reações de cada personagem, os diferentes desabafos da protagonista, a leveza de cada diálogo, de cada superação da personagem.

Cathy pode ser considerada uma das personagens mais complexas da televisão americana, seja por seu aparente egoísmo, que quem a conhece entende que não é tamanha é a entrega da atriz, que faz com que nós sejamos amigos, e que ela seja nossa confidente, ou pela sua luta sienciosa contra o mal. É totalmente feita para proporcionar um mergulho muito delicado e gelado na face dessa mulher.



Mesmo tratando de um tema severo, a série traz uma dose de humor muito grande. Cathy costuma fazer chacota de si mesma, de como a doença a está matando, de como ela escolhe nãos seguir nenhum tratamento combativo a doença, de como ela realmente enxerga o seu passado e o seu presente, caminhando sobriamente até a luz que um dia supostamente irá lhe atingir.

O elenco, como eu já disse, é de primeira. A química que se encontra entre cada ator é de fazer o queixo cair. Laura Linney ainda é a maior estrela da série, seu jogo de corpo em cena e sua técnica mostram aquela atriz que a gente sabe que é fantástica, mas que sempre optou por ficar escondidinha naquele canto da sala. Talvez, por isso, Laura Linney aposte em trabalhos mais arriscados como esse, por não ser tão insuflada pela indústria cinematográfica.

A série já possui duas temporadas, cada uma com treze episódios de mais ou menos trinta minutos, a terceira temporada deve vir em junho. Detalhe: a trilha sonora também deve ser reparada e apreciada, recheada de música de bandas independentes e vozes serenas.



É incrível essas nuances que a proximidade da morte pode trazer a um ser humano. A vulnerabilidade que ela nos traz só deixa mais nítido como não somos donos do nosso próprio nariz. Pra isso, pra tudo isso, existe o destino. Ou você é ou você não é. Ou você antecipa sua morte ou você vive sua morte. Cathy planta uma semente de esperança e fé no espectador, que provavelmente nunca morrerá.

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