quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

A Hora e a Vez de Meryl Streep (Crítica: A Dama de Ferro / 2011)


"Fique Firme".




Meryl Streep é unânime.
Não existe atriz, não existe ator, não existe diretor, não existe ninguém com o poder de Meryl Streep. Isso não se resume apenas a talento, este que a atriz tem pra dar e vender, mas também a um poder de mobilização de fãs, colegas de trabalho, e da própria indústria de entretenimento, que emenda uma fila sem fim de admiradores e difusores de sua arte. É fato, fica difícil citar outro artista com tamanha influência sobre todos os termos que regem a indústria cinematográfica, talvez Spielberg, talvez Scorsese, talvez DeNiro, não sei, Meryl Streep consegue ser unânime, não existe talvez, existe uma estrela, seja em calçadas ou em corações, ela arrebata milhões de pessoas com sua magnificência e amor pelo trabalho.

Dezessete vezes indicada ao prêmio máximo do Cinema, a atriz chega ao Oscar 2012 como a favorita para levar a estatueta para casa pela terceira vez: a primeira foi por Kramer vs. Kramer (1979) como coadjuvante, e a segunda, por A Escolha de Sofia (1982) na categoria de atriz principal. Mais uma vez, agora em A Dama de Ferro (The Iron Lady. Inglaterra, França, 2011), Streep emplaca mais um belíssimo desempenho e se torna recordista absoluta de indicações ao prêmio. Não é pra qualquer um.



Quando foi convidada a encarnar a ex-primeira-ministra da Grã-Bretanha, Margareth Thatcher, Meryl não pensou duas vezes. Com uma carreira recheada de mulheres nascidas genuinamente da ficção, surge uma das raras oportunidades de se produzir, com seu brilhantismo, uma mulher de verdade, forte, corajosa, realmente de ferro. Contudo, o roteiro fracassou, a diretora cedeu aos clichês de um mundo desinteressante e formulou uma história muito pouco atrativa.

A diretora Phyllida Lloyd não possui grandes feitos em seu currículo, talvez o mais conhecido seja o musical gracinha Mamma Mia! (2009), que também conta com a presença de Meryl Streep. Talvez, por isso, tenha faltado bastante sensibilidade na construção desse trabalho, que por mais que tenha a genialidade de seu elenco, mantém-se muito abaixo do esperado para uma biografia de uma das mulheres mais importantes do século passado. Lloyd constrói exatamente um filme para quem não gosta de política: Não explica os maiores feitos da dama de ferro, não explicita suas conquistas e suas derrotas. Escolhe ficar numa onda baixa e mansa, sem refletir toda a agressividade e turbulência que foi a vida de Thatcher.



Margareth Roberts, como nasceu, cresceu na Inglaterra pós-segunda guerra, abatida por um conservadorismo ferrenho e com um sublime interesse por política, foi admitida em Oxford. Sua ousadia gritante seria vista nos quatro cantos de seu círculo de relações. Thatcher é responsável por tirar a Inglaterra de uma das mais ferrenhas recessões que o país enfrentou, e não só por isso, mas também por lançar o pequeno reino, logo após a crise, num período ininterrupto de prosperidade. Apostou na política neoliberal, sempre apoiada pelo seu partido, o Conservador, fez vista grossa com os gastos, sofreu com os atentados terroristas do IRA, entrou em conflito armado com a Argentina, e combateu o “mal” do socialismo. Por essa luta ferrenha contra os comunistas, recebeu o apelido de Dama de Ferro, particularmente apadrinhado pelos soviéticos.

O drama de Phyllida Lloyd não explora os anos de trabalho dessa mulher, que chegou a ser a mais odiada do mundo durante a década de 1980. Lloyd preferiu construir um longa repleto de flashbacks, onde uma Margareth Thatcher velha e senil se recorda de sua trajetória. Tudo muito comido, roído, jogado ao espectador sem nenhum tipo de explicação.

A menina feia rejeitada pelos colegas, a jovem aceita por Oxford, que conhece seu marido numa mesa de politicagem, a primeira eleição perdida, a chegada ao Parlamento, a ocupação de cargo de Ministra da Educação (após muitos anos) da gestão anterior a sua, enfim. Nada é explicado, nada é pronto, muito menos facilitado para nós. Em dois terços do filme veremos a primeira-ministra totalmente debilitada pela idade, tentando driblar o controle da filha, da empregada e do fantasma do marido, que ela vê com frequência, no restante da obra, você verá os flashbacks da vida política de Thatcher, como eu já disse, extremamente mal desenvolvidos. Em que lugar ficou as propostas, ideias e ações de Thatcher? Quem foi seu braço direito, quem alimentou suas campanhas? Onde estão os onze anos de turbulência comandados pela líder britânica? Falta informação, falta pesquisa. Pra quê tantas cenas vazias e superficiais? Não há como não comparar com o excelente A Rainha (2006), que se traduz num filme exato, correto e conflituoso. A busca pela imagem concreta de Thatcher não chega nem perto da construção primordial da Rainha Elizabeth II.



Nos últimos minutos de projeção, o filme se torna extremamente confuso: o roteiro te joga um novo descontentamento com a figura política e, consequentemente, culmina na sua queda do poder. As cenas de Thatcher atual se traduzem lentas, melancólicas, enquanto as atuais são minimalistas e corridas.

Incomoda-me muito ver uma obra tão pela metade assim, que não diz ao que vem. Eu fui assistir na esperança de ver Thatcher julgando o resto do mundo, combatendo as forças socialistas, impondo suas leis e ideias para a sociedade, contrariando os políticos liberais, mas não, tudo o que se tem é um filme morno, onde a única coisa que realmente dá certo é Meryl Streep e sua sublime caracterização.



Simplesmente o filme deveria se chamar Meryl, assim ele estaria mostrando o que é capaz de fazer uma grande atriz, mesmo em frente a uma personagem tão rasa. Mesmo quando velha, Streep dá o costumeiro show de sempre e decreta com uma imensa rocha seu posto de melhor atriz do Cinema contemporâneo. Se antes existia Liv Ullman, Katherine Hepburn e Geraldine Page pra trazer alguma dúvida, hoje o caminho é só dela. Não existe ninguém igual. A caracterização da personagem também recebe nota altíssima, desde o figurino novo em folha e a maquiagem espetacular, até a absorção de um sotaque firme e convincente, que consegue dar todo um charme singular a personagem. Meryl provavelmente sentiu dificuldades em problematizar a personagem, por isso leva todo o filme nas costas, sem reclamar, sem pestanejar, muito pelo contrário, torna um trabalho que provavelmente seria impossível nas mãos de uma outra atriz, numa performance invejável e favorita a ser coroada como a melhor do ano. Por fim, se alguma coisa pode atrapalhar a vitória de Meryl, essa coisa é a ineficiência do filme como um todo.



Pra terminar, gostaria de ressaltar que o filme deve, sim, ser visto unicamente pelo trabalho da atriz. Se você procura conhecer o Thatcherismo, desista. Se você clama por um grande filme, desista. É simples: Se você não conhece Margareth Thatcher, essa não é a sua chance.

Um comentário:

  1. Excelente análise! Sensível e bem construída, de verdade. Parabéns!

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