"A coragem às vezes pula uma geração"
Começou a corrida para o Oscar 2012. Aliás, começou há um bom tempo. Já tivemos premiações como o Globo de Ouro, a lista de indicados do Bafta, do Actor’s Screen e no dia 24 de janeiro saiu a lista de indicados ao maior e mais conceituado prêmio da sétima arte: o Oscar. Nós já sabemos que o Oscar não deve ser levado tão a sério, prova disso são os grandes filmes e as brilhantes atuações que costumam ficar de fora do evento. Então, não se faz simplesmente um grande filme e espera ele ser indicado. A Academia tende a ser conservadora, não gosta de grandes blockbusters, que arrasam com a bilheteria, nem é fã número um de filmes repletos de efeitos especiais, de ação, vilanias, entre outras coisas que costumam passar batido aos olhos dos votantes, viu-se isso no esquecimento de Batman- O Caveleiro das Trevas no Oscar de 2009. Porém, existem as exceções, e elas não são poucas: O Senhor dos Anéis – O Retorno do Rei, que abocanhou os 11 troféus a que havia sido indicado no ano de 2004, incluindo Melhor Filme e Melhor Diretor para Peter Jackson (ainda acredito que a saga de Jackson seja um caso muito particular, era o término de uma trilogia que fez história); em 2010 foi à vez de Avatar chegar como favorito da noite, mas sair praticamente de mãos abanando, e no mesmo ano a Academia reconheceu também o ótimo Distrito 9.
O post não tem nenhuma pretensão de esmiuçar o que se passa na cabeça dos “old mans” que habitam as cobiçadas cadeiras da Academia, mas sim, tentar, mais por brincadeira, prever o que pode acontecer na noite da entrega dos prêmios, que acontece mês que vem no Kodak Theatre, em Los Angeles. Para isso, comecei a conferir os filmes mais cotados para levar alguns carecas dourados para casa, a começar com Histórias Cruzadas (The Help, EUA. 2011). O filme, dirigido e escrito pelo desconhecido Tate Taylor, não chega como favorito para Melhor Filme, nem poderia: a história parece muito água com açúcar perto dos outros possíveis indicados. A garota branca que se mobiliza, ainda que de forma preguiçosa, em “prol” das empregadas negras de Jackson, Mississipi.
Não que a história e o filme não tenham seus méritos, tem sim e muitos, mas ainda falta uma história em que o negro não seja simplesmente o instrumento da revolta, da fala, mas também uma história em que ele seja a caça e o caçador, seja o instrumento e o instrumentista. Isso não diminui e nem descaracteriza a obra, mas a torna um tanto televisiva e batida demais. Sei que muitos vão discordar e talvez parem de ler a crítica por aqui: Que história é essa de que o negro não foi autor de sua liberdade? Como assim? Quem disse que é preciso de uma garota branca para levar nossos ideais e dignidade pela frente? Então, te peço, leia e verá que o filme não é só isso, as partes boas superam deliberadamente a única parte que, em minha opinião, não cola.
Histórias Cruzadas narra a história das empregadas domésticas de Jackson, cidade do sul dos Estados Unidos, por volta dos anos de 1950. Pra quem nunca teve contato com a história real da parte sul dos Estados Unidos, aí vai uma simples pincelada. A parte sul do estado americano configurou-se, em seus primórdios, numa linha bem diferente das colônias dor Norte. Enquanto no Norte o trabalho era livre e as colônias buscavam evoluir como Democracia e nação, no Sul, as colônias se baseavam na mão de obra escrava e na exploração máxima da terra. Essa configuração foi além da independência do Estado, ou seja, mesmo depois de se emancipar dos ingleses, continuaram nessa divisão drástica dentro do próprio território. As rivalidades entre os habitantes do Norte e do Sul se tornaram explícitas e tudo terminou com a Guerra de Secessão, em que os Estados Unidos travou uma guerra consigo mesmo. Dica: o filme E o Vento Levou é um dos melhores para entender o que houve durante esse período nos EUA. Enfim, o Norte venceu a guerra, e o Sul foi obrigado a implantar o trabalho livre e assalariado como mão de obra única dentro do seu território.
Como tudo tem uma consequência, não podia ter sido diferente, mesmo nos EUA. É certo que, provavelmente, você já tenha ouvido falar que um dos maiores problemas na terra do Tio Sam é o racismo. Após perder a guerra, a parte Sul do país se mobilizou em criar movimentos de repressão violenta aos negros, sendo o mais conhecido e responsável por milhares de mortes, a Ku Klux Klan, mencionado no próprio Histórias Cruzadas. Espero que tenha dado pra entender alguma coisa dessa explicação histórica (?).
Pois, então, no meio dessa violência plácida, Histórias Cruzadas vem contar a história de negros que sofrem com esse racismo enraizado mesmo depois de tantas décadas de liberdade concedida.
Aibileen (Viola Davis, estupenda) é uma mulher que se aproxima da meia idade, negra e que teve que largar os estudos ajudar cedo para ajudar dentro de casa, dessa forma ela se tornou empregada. O filme todo é narrado por ela. No início, Aibileen conta de cada criança que cuidou e como chegou no trabalho atual: a empregada faz-tudo da fútil Elizabeth (Ahna O’Reilly). Aos poucos, entra na história sua melhor amiga, Minny (Octavia Spencer, um estouro, tão boa quanto a protagonista), também empregada, só que muito mais maltratada pela megera da história: Hilly Holbrook (interpretada com maestria pela sumida Bryce Dallas Howard). No geral, o centro de tudo é esse: como as empregadas domésticas negras são usadas e jogadas como pano de chão em qualquer canto, sem nenhum reconhecimento e alvo das mais ignorantes chacotas, sofrem um abuso de poder inominável e devem se manter quietas, concentradas em seu trabalho.
Numa reunião de jovens senhoritas racistas, onde todas as “proprietárias” de empregados negros, debatem a ideia, posta por Hilly, de construir um banheiro separado para negros dentro de casa e assim prevenir algumas doenças, está Skeeter (Emma Stone, encontrando seu caminho), uma jornalista solteirona que não compartilha da opinião das amigas quanto ao lugar do negro dentro da sociedade. Porém, Skeeter é uma personagem um tanto contraditória, pois, ao mesmo tempo que rompe com as amigas, ainda se mantêm vulnerável, de fácil compra pelas mesmas, seja por sua solteirice não tão bem aceita por ela mesma ou por sua ineficiência num mundo tão repleto de injustiças. Apesar de tudo, a jovem jornalista tem um assombro de salvação, mais por escrever o livro do que de ajudar essas mulheres. Após saber que a mãe demitiu a mulher que a criou durante toda a vida inteira, e ver Aibileen ser humilhada no seu próprio trabalho, Skeeter decide escrever um livro com as histórias sofridas por essas empregadas.
Skeeter não parece ser uma mulher que leve o racismo entre seus princípios, mas nota-se um egoísmo tímido, citado pelo próprio namorado dela, algum tempo depois de sua projeção. A aspirante a escritora está muito mais preocupada com o trabalho do que com o fruto de uma luta. A única personagem livre de preconceitos, e sim, a mais deliciosa, em todos os termos, ficou por conta de Jessica Chastain. Chastain foi escalada para viver Celia Foote, a dondoca que contrata Minny para ajudar nos serviços de casa, para aprender a cozinhar para o marido e ter uma companhia dentro de casa. Talvez por não ser aceita pela senhoritas de Jackson, Celia entenda o que é sentir-se desprezada, olhada pelo canto dos olhos. A bela mulher não quer participar de rodas de amigos racistas, mas sim, de rodas de amigos. É o melhor ar fresco do filme.
Fica por conta de Jessica Chastain as melhores cenas do filme: a da chegada da nova empregada, a qual ela recepciona com o vidro de coca-cola e um enorme sorriso no rosto, a cena em que sofre aborto e Minny arromba a porta, e a linda tomada final da personagem, em que a Minny assusta-se com a chegada do marido de Celia no jardim, e temendo que ele seja um membro da Klu Klux Klan, joga tudo para o alto e sai correndo. Quando a acalma, o marido entra com Minny na casa, e ela se depara com uma mesa repleta de comidas feitas por Celia. Era um jantar oferecido a Minny, com todos os pratos que ela ensinou Celia a preparar.
Bom, a história central é a feitura do livro de depoimentos e histórias das empregadas de Jackson, todas entrevistadas por Skeeter, chamado The Help. O filme é repleto de personagens, por isso, é meio complicado desenvolver uma sinopse mais direta e concreta. Deve ser assistido com muito carinho pelo espectador, que verá diferentes tipos da sociedade, hora encantando-se com um, hora menosprezando outro.
O grande trunfo do filme é, sem dúvida, as atuações, e é nesse quesito que provavelmente The Help deve dominar o Oscar 2012. O Globo de Ouro já foi um termômetro e premiou Octavia Spencer como coadjuvante, além de indicar Chastain na mesma categoria e Viola Davis como principal. O Oscar de coadjuvante deve ficar mesmo com Octavia Spencer que faz um retrato cru e emocionante de uma mulher que apanhava do marido, mas, mesmo assim, tinha forças para encarar a sociedade. Viola Davis chegou favorita para o Globo de Ouro, mas não levou o prêmio, senão fosse Meryl Streep e Michelle Williams no seu caminho suas chances seriam maiores. Ainda assim, Viola está muito bem cotada e pode surpreender (ou não) na noite do Oscar.
Ainda quero fazer jus ao restante do elenco. Não tem um ator sequer que esteja fora de sintonia com a história. Todos entregam atuações brilhantes e merecidas de algum prêmio. Allisson Janney, que faz a mãe com câncer de Skeeter, está um arraso, e Sissy Spacek arrebenta em poucos minutos na tela. Gostaria de citar todos eles, tamanho é estado de graça desse elenco, principalmente as atrizes. Brilhante. Brilhante. Brilhante. O Oscar quer premiar os melhores, mas nem sempre é assim: às vezes por que não é, e outras vezes porque achamos que não é. Então, que seja o que Deus quiser.
Histórias Cruzadas começou a me fazer chorar desde os trinta minutos finais, e a intenção não é criar uma obra melancólica e pesada, em que o espectador se vê atirado e desolado com sua bestialidade humanitária, mas sim, criar uma obra tecnicamente leve, buscar no espectador o fio que o conecta a humanidade e acender as luzes de seu bom senso, criar reflexão baseada em lágrimas de constrangimento e sorrisos engolidos até a hora do jantar.
Discordo que "Histórias Cruzadas" funcione como um deflagador do heroísmo branco, em detrimento da resistência do negro... até porquê no roteiro do filme não há de fato heroísmo, o que há é coragem, e esta é demonstrada por cada uma das personagens. Tá certo que no epicentro da trama está uma personagem branca, contudo acredito que ela seja essencial na história, uma vez que ela representa o olhar jornalistico, aquele que parte de um perspectiva exterior para descrever um fato ou uma situação... Se o filme peca, é por ser caricato e por ter alguns personagens maniqueístas (aspectos que comentei na resenha que escrevi) e não por exaltar este tal "heroísmo branco"...
ResponderExcluirhttp://sublimeirrealidade.blogspot.com/2011/12/historias-cruzadas.html
Opiniões costumam divergir, cara.
Excluirj. bruno esse seu ponto de vista é fraco.........deveria sim é ficar calado
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